Recentemente me deparei com uma situação conversando com alguns amigos, sobre os processos ágeis. Falávamos especificamente sobre SCRUM e eu notei que dois deles (que trabalham em empresas diferentes) comentavam sobre o uso de backlogs, post-its, sprints, etc. Eles me perguntavam se de fato “essas coisas” funcionavam, pois não estavam vendo ganho nenhum no dia-a-dia deles.
Perguntei sobre o dia-a-dia deles. E a causa logo de cara apareceu.
Para começar, o SCRUM foi imposto pelos chefes das empresas. Sem nenhum treinamento, sem nenhuma criação de cultura, muito menos um “baby steps” para implantá-lo. Porém o erro maior estava exatamente no ambiente da empresa: os funcionários jamais participavam de decisões. O conceito de time exisitia apenas no papel, mas no fundo era cada um por si e em caso de problemas existia a prática de caça aos culpados. Cumplicidade, pelo relato deles, inexistia. Era aquele tipo de empresa em que de um lado ficavam os chefes e do outro ficavam os funcionários, como se fossem duas forças que jamais poderiam andar para o mesmo lado.
Como que o SCRUM ou qualquer processo moderno iria funcionar numa empresa assim?
A maioria das empresas que adotam processos ágeis como a solução dos problemas começam SEMPRE da forma errada. Por que não pensam nos quatro princípios básicos do agile. E normalmente NUNCA pensam no principal de todos:
Pessoas e comunicação são mais importantes do que processos e ferramentas
Em um ambiente onde o clima organizacional é terrível, onde não existe cumplicidade, respeito e comunicação adequada, nenhum processo ágil (ou mesmo qualquer processo moderno!) funcionará corretamente! As empresas deste tipo que implantam o SCRUM começam pensando exatamente no oposto do princípio, colocando os processos e ferramentas acima das pessoas. É facílimo de perceber. Normalmente esses gestores perguntam sobre quais softwares são melhores para gerir o SCRUM, como funciona o taskboard ou como controlar o processo iterativo. Notem que sempre as palavras “produtividade”, “resultados”, “controle” e “gestão” irão se repetir nas explicações.
Se você acha que isso é um exagero, faça uma simulação rápida. Pense em um chefe terrível que você teve ou conheceu. Daqueles terríveis mesmo, que parece mais um capataz. Só cobrava relatórios, horários, resultados, jamais dava um feedback, parece sempre mau-humorado. Imagine agora que um dia, ele chega para sua equipe e fala que vocês irão adotar um processo ágil de desenvolvimento. E da noite pro dia, ele se dispõe a ser um parceiro de vocês. Parceiro mesmo, daqueles que buscará motivá-los, solucionar problemas junto com vocês, orientá-los, passar feedbacks, etc.
Qual seria a sua reação? No mínimo de total incredibilidade, não é? E confesse: você chegou a rir um pouco imaginando a situação. Isso é óbvio! No fundo, você sabe que no primeiro problema que acontecer, todas velhas práticas de capataz do seu chefe voltarão à tona.
Se queremos que os processos ágeis funcionem, precisamos antes de tudo lembrar que trabalhamos com pessoas e que são elas as responsáveis pelo sucesso não só de uma adoção de qualquer prática, mas dos resultados da empresa. E trabalhar com as pessoas e, consequentemente, com a comunicação dentro da empresa deve ser a prioridade número um de qualquer empresa moderna.
Isso parece difícil, mas não é. Uma mudança para a situação do chefe mau-humorado, por exemplo, poderia ser trabalhada de forma gradual. Baby steps, mesmo. Ao invés de colocar o SCRUM na frente, primeiro ele poderia mudar suas próprias atitudes perante as pessoas. Formar dentro da empresa a sinergia para que todos de fato andem lado a lado para o mesmo lugar. Feito isso, você terá um ambiente bastante fértil para daí sim começar a pensar em processos e ferramentas. Uau! De tão fácil parece até irreal, mas não é!
Muito embora seja óbvio, por incrível que pareça ainda existem muitas empresas que não se dão conta de que elas só existem por causa das pessoas. Quando elas colocam processos e ferramentas acima de tudo, na adoção de processos ágeis, elas marcham de forma convicta em direção ao abismo. E o pior: depois ainda ficam fazendo propaganda negativa dos processos ágeis… “Bem que eu disse que isso não funcionaria aqui!”. De fato. Agilidade e chicote jamais serão sinônimos.
[Crédito da Imagem: Processos – ShutterStock]
Flávio,
Excelente matéria !
O que vejo de casos de implementação do RUP em sua forma mais engessada e burocrática, deixando o fator pessoas totalmente de lado e, pelo simples fato de dividirem o projeto em fases iterativas, simplesmente chamam e vendem isso como SCRUM !
Aí não dá certo e praguejam contra o framework !