Indiscutível que a mobilidade já é parte integrante de nosso dia a dia. As pessoas participam ativamente das transformações sociais e econômicas trazidos pela mobilidade. Já não levamos rasteira de taxistas mal-intencionados porque sabemos de antemão o trajeto olhando o Waze ou Google Maps. Sei se o preço daquela mercadoria que o vendedor da loja me oferece é realmente o mais barato. Obtenho informações sobre qualquer produto ou serviço pelos meus amigos no Facebook ou de estranhos que já usaram e opinaram. Usamos e abusamos de apps para obter desconto em tudo, de passagem a casas noturnas. Compramos passagens aéreas e fazemos o check-in pelo celular. Fazemos transações financeiras por ele. Em 2014, 11% das transações bancárias já eram feitas por celulares, contra 6% em 2013 e apenas 2% em 2012, mostrando um crescimento composto anual de 209%.
Tudo isso torna a nossa vida mais fácil e, portanto, a mobilidade torna-se indispensável. E isso se dissemina muito rápido. Segundo a UIT, a banda larga móvel já é utilizada por 2,3 bilhões de pessoas no mundo todo. O resultado é que a mobilidade tem aberto portas para empreendimentos inovadores, criando ruptura em modelos de negócio, melhorando a produtividade das pessoas no seu dia a dia, seja na vida pessoal ou profissional (que se embaralham cada vez mais e se tornam indistinguíveis), incentivando o engajamento da sociedade e modificando a relação entre empresas e seus clientes. Aqui no Brasil, em 2013, cerca de 54% dos domicílios possuíam apenas telefonia móvel. No futuro muito próximo, a comercialização de produtos dará lugar a uma combinação com serviços e não haverá serviços que não seja suportado por smartphones.
Como as empresas e as áreas de TI devem olhar este cenário? Muitas empresas, por incrível que pareçam, ainda não se deram conta deste fenômeno. A prova é que grande parte dos sites web corporativos não são responsivos (são ainda projetados para desktops e laptops) e poucas tem apps realmente úteis para fazerem negócios.
A mobilidade possibilita o crescimento do fenômeno da consumerização, onde os usuários, funcionários e clientes, usam as tecnologias que preferem (eles mesmo escolhem) ao se conectarem com a empresa. Fora de casa, significa que se os usuários cada vez mais usam apps, a empresa tem que permitir interação comercial através deles. E dentro de casa, não parece produtivo limitar a utilização das inovações móveis ao obsoleto modelo de governança e controle de TI que exigia homologação prévia de equipamentos antes deles serem aceitos pela organização. Funcionou no período da dobradinha Wintel (Windows + Intel) que era relativamente estático, mas não é adequado à velocidade e dinamismo das mudanças que acontecem no mundo da mobilidade.
Os CIOs não podem ser inibidores desta tendência. Os funcionários das suas empresas querem usar tecnologias que usam no seu dia a dia e que os ajudam também na atividade profissional. Um Waze ajuda a encontrar o melhor caminho não apenas para ir ao cinema, mas para chegar sem atraso naquela reunião importante com seu cliente. Um Uber ou EasyTaxi os ajudam se deslocar mais facilmente. Uma busca no Google ajuda a identificar alguma informação interessante sobre um produto concorrente, durante a reunião de negócios.
TI não pode atuar de forma reativa ou limitadora diante deste cenário. Deve ser proativa, criando condições para que a consumerização seja aceita pela organização. Os modelos de governança devem ser ajustados para se tornarem mais colaborativos e permitirem os usuários terem mais condições de decidirem por si que tecnologias pretendem usar, assumindo, claro, as responsabilidades por suas decisões. Afinal, grande parte dos funcionários, principalmente os da geração digital, já nasceram com a Internet como pano de fundo e a tecnologia não lhes é estranha, mas natural ao seu modelo mental. A chamada “geração Y” também está cada vez mais ciosa de seu espaço e quer tomar decisões por si. Inibir este processo é criar um ambiente pouco favorável a permanência na empresa dos mais ciosos de seu espaço. Aliás, o comprometimento de longo prazo com as empresas está deixando de ser um atrativo. Provavelmente daqui a 25 anos poucas pessoas farão 25 anos na mesma empresa.
A característica do ambiente de negócios atual praticamente elimina a separação entre trabalho e vida pessoal, tão comum na sociedade industrial. Quando se fala em sociedade de serviços, os horários e as atividades pessoais e profissionais se misturam. Posso impedir um funcionário de fazer uma transferência bancária durante a hora do chamado expediente, usando seu smartphone? Esta proibição trará que benefícios? Qualquer pessoa que lide com talentos sabe que funcionários insatisfeitos produzem menos. Portanto, impor limitadores é totalmente contraproducente.
TI também deve compreender que não é mais “dona da verdade”. Existem muitos profissionais acostumados a usar tecnologia na empresa. Afinal os computadores pessoais têm pelo menos uns 40 anos de existência e nos últimos 25 anos, com a WWW, tornaram-se cada vez mais usados no dia a dia. Com os smartphones o processo simplesmente potencializou-se. Não dá mais para tratar a maioria dos usuários como bebês que nada conhecem de tecnologia. Aliás, conheço algumas empresas onde a garotada dos seus vinte e poucos anos, sem estar na TI, conhecem muito mais programação de smartphones que os veteranos profissionais do setor.
O modelo de governança de TI deve compreender este fato, deixar de lado o modelo de “comando e controle” e adotar o de colaboração e corresponsabilidade. É uma mudança de “mindset” que nem sempre é bem aceita por veteranos profissionais e gestores de TI, acostumados, em sua vida profissional a serem os detentores da gestão e adoção de tecnologias nas suas empresas. O sentimento de “perda de controle” leva a agir de forma reativa e contrária às demandas da consumerização.
Por outro lado, a consumerização não implica que TI deixe de lado a responsabilidade pela gestão da infraestrutura de tecnologia. Ela ainda é de sua responsabilidade, mesmo que ela esteja em um provedor de nuvem. Mas o que é esta gestão? Garantir a integração entre sistemas, garantir a resiliência do ambiente e a segurança das informações críticas. Claro que os modelos de governança que está acostumada a adotar não vão funcionar se aplicados a um ambiente que não está mais no seu data center, mas sim em um provedor externo. É diferente também de quando as aplicações são SaaS, hospedadas nas nuvens dos próprios fornecedores do software. É um desafio que bate de frente com os modelos arraigados, mas é inevitável que os processos e modelos de governança sejam ajustados para este novo e irreversível mundo.
Mas, os benefícios deste novo mundo tecnológico permitem que o CIO ocupe um espaço que sempre buscou: ser mais estratégico, criando mais condições de sair de simples gestor de ERP para contribuidor efetivo para a receita do negócio.
Bem, mas o que fazer? Nas minhas peregrinações com CIOs observei que aqueles com forte embasamento de negócios e pouca base tecnológica tendem a subestimar os desafios de gestão e segurança impostos pela consumerização. Por outro lado, os mais técnicos e menos afeitos ao negócio, mais focados na gestão operacional, tendem a impor limites que impedem a flexibilidade natural demanda pela consumerização. Inclusive já ouvi como afirmativa “minhas regras de compliance impedem adotar o BYOD na empresa”. Ok, mas quando se analisa regras de compliance versus lucratividade, não será uma questão a ser tratada em nível mais estratégico que no nível operacional? O CIO e os demais C-level deveriam, neste caso, repensar, que ajustes serão necessários para adequar o nível de compliance ao novo mundo tecnológico. E não, de forma simplista, partir para a negação. Controle é um meio para se chegar a um fim, não um fim em si mesmo. A heterogeneidade tecnológica provocada pela consumerização é irreversível e a TI deve assumir este fato e criar modelos colaborativos e de corresponsabilidades.
Afinal o papel do CIO não é se restringir a gerenciar infraestrutura e sistemas de TI. Este deve ser a atuação do gestor de TI. O papel do CIO é ajudar o negócio a usar tecnologias para ser mais efetivo, criar novos produtos e processos e até mesmo novos modelos de negócio.
[Crédito da Imagem: Consumerização – ShutterStock]