Direito & Tecnologia

Ξ Deixe um comentário

Pais analógicos e filhos digitais

publicado por Gisele Truzzi

Com a Globalização e a inclusão digital, vivenciamos atualmente a “Revolução Digital”, em que nosso grande capital é a informação, o conhecimento, e consequentemente, o “dado eletrônico”, afinal, a Tecnologia faz parte do nosso cotidiano. Estamos cada vez mais “conectados” através de celulares, smartphones, netbooks, palmtops, Internet móvel… É cada vez maior o número de opções que nos oferecem para que possamos acessar a Web de qualquer lugar.
Foto: acervo pessoal Gisele Truzzi

Mas será que estamos preparados para essa nova realidade? Será que sabemos nos comportar nos novos ambientes eletrônicos? Será que as crianças e adolescentes, grandes usuários das redes sociais virtuais, utilizam a Internet de forma prudente?

Para responder a essas e outras questões, precisamos compreender a mudança de cenário que tivemos: nas décadas de 80 e 90, muitos pais deixavam seus filhos frequentemente à mercê da televisão, a “babá eletrônica” da época. Hoje, o computador assumiu este papel. Os pais permitem que os filhos passem horas à frente do computador, sem fornecerem-lhes qualquer tipo de orientação sobre alguns riscos que as novas tecnologias trazem.

Porém, entre a TV dos anos 80/90 e o computador há uma grande diferença: a criança assistia passivamente aos programas televisivos, enquanto com o computador, ela interage. A Internet é essencialmente interativa! Temos as salas de bate-papo e os comunicadores instantâneos, através dos quais podemos conversar em tempo real com qualquer pessoa; os sites de relacionamento, que permitem a criação de comunidades e discussão de assuntos; as redes P2P (peer-to-peer), que possibilitam o compartilhamento de arquivos; os blogs, que permitem a publicação de conteúdo como se fossem diários pessoais; entre outros serviços, sem contar na própria navegação, através da qual o jovem internauta pode clicar em tudo o que lhe aparecer à frente… Tudo isso deixa as crianças e os adolescentes muito vulneráveis aos crimes eletrônicos: calúnia, difamação, injúria, ameaça, pedofilia, induzimento ao suicídio, falsa identidade, fraudes, etc.

Além disso, temos outro fator impactante: em geral, os pais não são muito familiarizados com a Tecnologia, campo em que os mais jovens dominam muito bem, chegando até mesmo a ensinarem os mais velhos.

Diante desta realidade, não há como você ser um pai analógico se o seu filho é digital! Os pais e educadores precisam entender a linguagem e o comportamento dos mais jovens, mesmo nos ambientes virtuais.

Portanto, será que você, sendo pai ou mãe, conseguiria responder às seguintes perguntas?:

  • Você sabe se seu filho está em algum site de relacionamento (Orkut, MySpace, Facebook, etc)?
  • Sabe quem são os amigos virtuais dele e o tipo de mensagens trocadas?
  • Sabe quais são as comunidades virtuais das quais seu filho participa?
  • Tem idéia de quais fotos seu filho coloca no álbum virtual?
  • Sabe se seu filho tem blog, fotoblog, etc., e o que publica nesse tipo de site?
  • Deu um celular com câmera para seu filho e alertou-o a respeito de fotografar outras pessoas? Saberia dizer se seu filho filma ou fotografa os amigos e professores e coloca as imagens em sites de vídeo ou nos álbuns virtuais?
  • Sabe quem está na lista do comunicador instantâneo (MSN, ICQ, Google Talk, IRC, etc.) de seu filho?
  • Você sabe quais programas seu filho utiliza? Saberia dizer se ele utiliza redes P2P (Kazaa, Emule, Gnutella, etc.) e os arquivos baixados?
  • Tem idéia dos trabalhos escolares que seu filho faz? Sabe se ele copiou algo da Internet e entregou ao professor?
  • Você procurou pelo seu filho na Internet? Verificou pelo nome ou apelido dele em sites de buscas, de vídeos, em redes de relacionamento?
  • Tem idéia se seu filho compartilha a senha dos emails e outros serviços da Internet com algum colega?

Se você respondeu negativamente a alguma dessas perguntas, está na hora de fazer parte da vida digital de seu filho!

Fique atento ao que seu filho faz na Web, ao modo como utiliza os ambientes eletrônicos, converse com ele, inclusive por e-mail e comunicadores, mostre que você também domina este mundo virtual do qual ele tanto gosta. Tenho certeza de que se você orientar seu filho e passar a ser mais “digital” também, trocando até mesmo mensagens eletrônicas com ele, certamente essa atitude irá contribuir positivamente para o relacionamento entre vocês, além de diminuir os riscos de seu filho cair em alguns dos perigos que circulam pela Internet.

É importante ressaltar que nossas palavras devem ser materializadas pelo nosso exemplo. Lembrando os ensinamentos do Mestre Paulo Freire, “nossa prática não pode ser negadora do nosso discurso.”

Além da orientação no seio da família, é imprescindível destacar o papel da escola na conscientização dos alunos quanto ao uso ético, seguro e legal das novas tecnologias. Afinal, “para a maioria das crianças, é a escola que marca o início da sua atuação pública. É na escola que muitas delas vivenciam o primeiro encontro com a sociedade e têm a oportunidade de, por meio da participação, começar a construir sua autonomia e a exercer sua cidadania.”

A instituição de ensino tem o dever de orientar não somente seus alunos, bem como todos os educadores acerca dos perigos trazidos pelo mundo tecnológico. Como responsável pelos menores no ambiente educacional, a escola deve ensinar seus alunos a como se comportarem nos ambientes virtuais, o certo e o errado da era digital, os perigos trazidos pelo mau uso das ferramentas tecnológicas. Cabe também à instituição alertar os educadores quanto ao uso das tecnologias dentro e fora da sala de aula e sobre como repassar este conhecimento aos seus próprios alunos.

Além disso, faz-se necessário que a escola também conscientize os pais, para que estes estejam sempre alertas e possam também reforçar a orientação dada aos filhos.

Somente com educação, conscientização e capacitação é que poderemos transformar nossas crianças e adolescentes em verdadeiros cidadãos. Precisamos quebrar o estigma de que a Internet é um mundo sem leis e mudarmos alguns conceitos diante da nova realidade em que vivemos.

 


[1] Art. 138, Código Penal – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

[2] Art. 139, Cód. Penal – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

[3] Art. 140, Cód. Penal – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

[4] Art. 147, Cód. Penal –  Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

[5]  Art. 241-A, Lei nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – alterada pela Lei nº 11829/08) – Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

[6] Art. 122, Cód. Penal – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

[7] Art. 307, Cód. Penal – Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

Art. 308 – Usar, como próprio, passaporte, título de eleitor, caderneta de reservista ou qualquer documento de identidade alheia ou ceder a outrem, para que dele se utilize, documento dessa natureza, próprio ou de terceiro: Pena – detenção, de 4 (quatro) meses a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

[8] Ângela Antunes, Julia Tomchinsky, Francisca Pini; educadores e membros do Instituto Paulo Freire. Artigo Educar para e pela cidadania desde a infância. Publicado em http://www.paulofreire.org/Noticias/NoticiaEducarParaEPelaCidadaniaDesdeAInfancia. Acesso em 18/03/2009.

 

Autor

Advogada especialista em Direito Digital e Direito Criminal. Formada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Extensão em "Direito da Tecnologia da Informação" (FGV); Pós-graduada em "Gestão e Tecnologias em Segurança da Informação" (Faculdade Impacta Tecnologia). Possui experiência de 6 anos de atuação no ramo do Direito Digital, tanto na área consultiva, quanto contenciosa. Autodidata em assuntos relacionados ao Direito Digital, tendo iniciado seus estudos neste ramo quando ainda estava na faculdade, em meados de 2000. Desenvolve trabalhos de consultoria e assessoria jurídica nesta área, tais como elaboração de Políticas e Normas de SI, Contratos, Termos, Pareceres, Auditoria de Sites, apoio jurídico em perícias, desenvolvimento de campanhas de conscientização quanto à SI nas instituições, entre outros serviços. Atua também no ramo contencioso do Direito Digital, através da elaboração e acompanhamento de medidas judiciais e extrajudiciais. Ministra palestras, aulas e treinamentos em empresas, instituições educacionais e demais organizações sobre temas relacionados ao Direito Digital, Segurança da Informação e uso ético, seguro e legal das tecnologias. Site: www.truzzi.com.br Twitter: @giseletruzzi Conheça meus cursos

Gisele Truzzi

Comentários

You must be logged in to post a comment.

Busca

Patrocínio

Publicidade



Siga-nos!

Newsletter: Inscreva-se

Para se inscrever em nossa newsletter preencha o formulário.

Artigos Recentes