Você já se perguntou por que as câmeras dos celulares viraram de lado? Hoje em dia, celular bom e que se preze precisa ter a câmera também apontando para a gente. Como diz Cris Dias, no Brainstorm9, é “Eu, eu, eu e meus parça junto”. Não vou discursar aqui sobre responsabilidade da autoimagem ou riscos da autoexibição. Venho falar sobre um atual contexto do comportamento da sociedade acerca do qual as empresas muitas vezes estão alheias. Uma espécie de “Era do Selfie” se apresenta cada vez mais entre nós, com seus riscos e vantagens, comportamentos e desconstruções, recuperações de antigos conceitos e adaptação de outros. E onde entra o marketing nessa história? É o que também quero descobrir. Vejamos.
Quando eu escrevi aqui no blog sobre “a representação do Eu no Facebook”, muitos me perguntaram o que aquele texto tinha a ver com minha especialidade: marketing. Daquele texto, saíram alguns artigos acadêmicos, um deles inclusive exposto na USP com coautoria minha junto à minha ex-orientanda e atual mestranda Jéssica Carneiro (ver em E-Book IV Pró-Pesq PP). Mas o fato é que, de visão para o marketing, o texto não indicava uma atuação. Com o atual momento em que o termo Selfie ganhou os holofotes, agora sim é possível enxergar marketing naqueles textos de outrora sobre a representação do eu.
PARA O MARKETING APROVEITAR O SELFIE, É NECESSÁRIO VER O QUE O CONSTROI
O marketing precisa não somente olhar e se divertir com o selfie, mas, sobretudo, descortiná-lo. É necessário compreender o que tem por trás do selfie: o que quer esse povo, o que pensam esses grupos e o que faz dessa prática de autorretrato um fenômeno de tal tamanho atualmente.
Aquela história clássica de que a internet inverte o processo de comunicação entre emissor e receptor, tão bem falada por Levy, Castells e tantos outros pensadores, é cada vez mais vista na prática atual, em diversas oportunidades, até através dos chamadosprosumers. Mas o selfie não é só isso. É muito mais que inverter a ordem tradicional elinear do processo de comunicação. Vejo o selfie como uma prática de apoderamento do indivíduo sobre a comunicação de tal forma que torna o processo comunicacional transversal e pulverizado. Mas esse indivíduo não necessariamente quer se tornar mass media mundial assim, ao invés disso de imediato ou até em paralelo, muitas vezes quer algo mais simples: local, familiar, caseiro ou até só para aquele grupo de 5 amigos no whatsapp. Dessa forma, nos ambientes mais restritos, é possível se tornar pontualmente um acontecimento, talvez muito devido ao uso social da linguagem que o estruturalista Saussure apontava.
PRÁTICA DE MARKETING SOBRE A IDEIA POR TRÁS SELFIE
Onde entra o marketing nessa história? Simples: na transversalidade dos processos de comunicação. Ou seja, é a ideia de que:
‘chega de a empresa falar dela mesma; vamos agora falar de mim: consumidor, produtor, emissor e novamente consumidor – não necessariamente nesta ordem’.
Isso não significa que o cliente sempre tem razão, mas sim que ele tem, antes de tudo, voz. E essa voz não precisa somente ser ouvida, mas principalmente entendida. E sem lhe dar poder somente porque ele tem também um celular, uma câmera, algumas contas em redes sociais e centenas de amigos; mas sim pela razão de ele ser parte viva da própria empresa, como consumidor, cocriador, propagandista e até fiscal. O “Eu” reforçado deixa de ser apenas uma representação impulsionada na imagem e passa a ser um comportamento contemporâneo.
Dessa forma, o marketing se apropria do real significado do selfie não apenas criando campanhas com autorretrato de clientes, mas sim compartilhando ao cliente opoder de exercer seu “Eu”.
Vejamos como esse comportamento não é novidade, mas sim está mais reforçado do que nunca. São exemplos dessas ações:
Obviamente, se tais ações forem feitas de modo pasteurizado, além de sair muito caro – essa é sempre a desculpa -, pode surtir efeito inverso. Por isso, tal modelo precisa ser visto como filosofia da empresa, aplicado desde o recrutamento e seleção de pessoal, até o estabelecimento de processos de trabalho. Sem isso, será como ter uma capa reformada, mas com o conteúdo démodé.
SOMOS COMO NOSSOS NOSSOS PAIS, MAS DIFERENTES
É importante observar que esse “Eu” não deixa de consumir o mass media. Ele não substitui completamente o olimpiano; no máximo, ele muda de meio para consumi-lo. Ele não deixa de ter seus ídolos. Os sonhos de criança continuam, assim como a torcida de adulto numa telenovela ou num jogo de futebol. A diferença é que, mais do que nunca, o “Eu” agora escolhe quando ele vai cultuar seu olimpiano de estimação e quando ele vai querer acâmera frontal do celular voltada novamente para o “Eu, eu, eu e meus parça junto”.
Artigo publicado originalmente em wgabriel.net
[Crédito da imagem: Selfie – ShutterStock]
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