Gestão de Processos

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Os sete erros da modelagem: 1 – Roubar o processo do dono

publicado por André Campos

Estou fazendo esse preâmbulo todo apenas para apresentar a vítima de um dos erros de modelagem que trataremos aqui no Blog, o dono do processo. Mas estamos falando de modelagem do processo, e é nessa fase que o problema acontece.

Já esteve em uma reunião de modelagem onde o modelador pressiona os entrevistados, naturalmente incluído aí o dono do processo? O modelador pergunta o que ele faz. Ele pensa um pouco. Antes dele concluir, o modelador lança outra pergunta. Ele começa a ficar confuso. O modelador começa a fazer perguntas sugestivas, induzindo o dono do processo por um determinado caminho. Ele, o dono do processo, fica desconfortável. A coisa continua nessa tocada. Chega um ponto em que o modelador já está dizendo ao dono do processo como é que o processo deve ser. Se bobear, já chega pra próxima entrevista com um modelo que ele (modelador) fez apenas para o dono do processo avaliar e sugerir algumas modificações. A mensagem do modelador é simples: você não sabe o que você faz; eu sei o que você faz.

‘Protesto! Condução da testemunha. Protesto! Arguição hostil da testemunha’. Se fosse em um tribunal, e se o dono do processo tivesse um advogado de defesa, tudo seria mais fácil. O problema é que muitas vezes o dono do processo não tem como protestar e a coisa vai andando. O dono do processo deixa de se sentir motorista e começa a se sentir passageiro. Depois de algum tempo ele deixa de se sentir passageiro e começa a se sentir carga. Mais tarde ele fica mesmo é na pista, vendo o bonde sumir pequenino no horizonte. Mas ele não era odono do processo? Como assim? ‘Roubaram meu processo!’.

Por que isso acontece? E qual é o resultado desse método de modelagem de processos? Essas duas perguntas precisam ser respondidas.

Alguns motivos podem levar os modeladores a trabalhar dessa maneira. É possível que o modelador tenha muita experiência de modelagem, e por isso acredita que já ‘viu tudo o que existe debaixo do sol’. No entanto, o modelador precisa entender que ‘há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe sua vã filosofia’. Por mais que ele tenha experiência em modelar outros processos similares, há aspectos específicos e importantes de cada processo, aos quais ele precisa estar atento. E se ele não se permitir conhecê-los, seu modelo será mais uma cópia genérica daqueles outros processos do que realmente o modelo do processo em questão. Com isso, ele poderá ter pouco ou nenhum uso para o processo modelado. A não ser, imprimir colorido, encadernar bonitinho, e colocar em exposição.

Além disso, é de extrema importância que o dono do processo e outros colaboradores relacionados ao processo sendo modelado, se sintam partícipes do trabalho e dos resultados. Essa cumplicidade, essa parceria com o dono do processo, é vetor e o catalisador dos reais benefícios que serão obtidos pela organização com a iniciativa de modelagem de processos. Alijá-lo do próprio processo em que ele é o dono é como expulsar alguém de sua própria casa. Esse seria o melhor curso possível para uma relação curta, cheia de conflitos, e absolutamente estéril.

Outro possível motivo para o método ‘eu sei o que você precisa, você não’, seriam os prazos apertados. Por algum motivo alguém definiu um escopo e um prazo inexequíveis para o projeto de modelagem de processos. É possível que alguém de cima, que não conhece os meandros da modelagem de processos, tenha fixado um prazo e um escopo sobre esse assunto que ele não domina. Ainda, pode ser que o próprio modelador tenha dado o prazo equivocado, por não ter tanta experiência em modelagem. Então, o mísero modelador adota o já referido método na expectativa de cumprir seus prazos. Mas será que ele consegue?

A resposta para essa pergunta é um paradoxo: sim e não. Ao explicar isso melhor, aproveitemos para responder à pergunta anterior: E qual é o resultado desse método de modelagem de processos?

A resposta é ‘sim’ quando o modelador, ao final de um determinado tempo consegue entregar seus produtos, ou seja, um conjunto de de diagramas ou modelos de processo. A resposta é ‘não’ porque os modelos produzidos com esse método raso e impositivo são áridos, ineficazes, provavelmente até absolutamente inúteis. Se esse é o caso, então o modelador cumpriu o prazo, mas entregou ‘nada’ como produto final.

Esse é o efeito colateral  do roubo dos processos de seus donos. Os processos modelados, no final das contas, representam mais a visão do modelador do que a realidade das atividades desempenhadas na organização. Se meu modelo é tão diferente da realidade, como posso usá-lo como referência para melhorar a realidade? Ao analisar esses modelos, as oportunidades de melhoria identificadas neles serão absolutamente incompatíveis com a realidade da organização. E por falar em melhoria, será que o dono do processo, que é quem pode intervir no processo para melhorá-lo, trabalhará por essa mudança? Claro que não! Primeiro porque ele não acredita na fidelidade do modelo. E além disso, ele foi roubado, lembra?

Os modelos gerados poderiam ser utilizados para reduzir custos, melhorar a governança na organização, definir indicadores e metas ligados à estratégia, construir sistemas de informação de suporte a esses processos, dentre várias outras iniciativas que podem utilizar os modelos de processos como importante insumo. No entanto, no caso dos modelos dos processos roubados, nada disso pode ser feito. Como disse, são inúteis.

A conclusão é simples: respeitemos os donos dos processos e os tenhamos como aliados, deixando claro o tempo todo que os processos são deles, e não nossos.

[Crédito da Imagem: Processo – ShutterStock]

Autor

Doutor em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE/UFRJ, Mestre em Informática pelo NCE/UFRJ, é também especialista em Gestão Estratégica de TI (UFRJ), Gestão Industrial (UFRJ) e em Segurança da Informação (UNESA). Com mais de 25 anos de atuação em Tecnologia da Informação, em suas diversas áreas, possui certificações Microsoft, ITIL, Auditor Líder BS 7799, e Security Officer (MCSO). É autor dos livros "Modelagem de Processos com BPMN" e "Sistema de Segurança da Informação - Controlando os Riscos". Nos últimos 10 anos concentra-se na relação da TI com o Negócio, em áreas como Governança e Gestão em TI, Engenharia de Software, e Segurança da Informação. Ainda, publicou o livro "Segurança da Informação - Controlando os Riscos".

André Campos

Comentários

2 Comments

  • Olá, dei muitas risadas com o tal “furto do processo”, entretanto por algum tempo já na área o que acredito ser pior que roubar o dono é ninguém querer ser o Tal, principalmente aqueles interdepartamentais.

    Outra questão bastante propícia, é algo que poucos fazem ou questionam aos entrevistados: ” Qual é o caminho feliz?”, utilizando esta via de regra as exceções e ramificações serão tratadas, mesmo que posteriormente seguindo um fluxo lógico.

    Última observação, senti falta de ênfase, talvez venham nos próximos 6 (seis) erros da Modelagem, no propósito de mapear um processo, ele existir e ser documentado não é um propósito. As ja citadas métricas são apra qual finalidade? acho bacana por esse foco.

    Obrigado gostei da maturidade em deslanchar algo tão cansativo para tantas pessoas de uma forma leve.

  • Oi Everton, fico feliz que tenha curtido o artigo. Você tem razão, os processos órfãos são um grande problema nas organizações, e um dos motivos pelo qual isso acontece é que as organizações não criam mecanismos de estímulo para os donos de processo. Afinal, por que ter mais uma responsabilidade se nenhuma recompensa virá?

    Sobre o motivo (ou falta dele) de se modelar o processo, já andei publicando sobre isso aqui. Mas penso que isso seja uma falha da gestão de processos e não especificamente da etapa de modelagem em si. De qualquer forma, falaremos sobre isso mais um pouco, em outros artigos.

    Grande abraço, e continue compartilhando sua opinião com a agente.

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