CarreiraO direito de não saber

O direito de não saber

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Em 1992, passei no vestibular para o curso de Engenharia Elétrica na UDESC Joinville, e uma das matérias que fazia parte da grade curricular era Química. Numa das aulas, o professor explicou um conteúdo que não me recordo hoje, mas sei que ele mencionou algo sobre o ouro 18 quilates. Então interrompi sua aula para perguntar:

– Se o ouro 18 quilates possui 75% de pureza, qual é a pureza do ouro 24 quilates?

Para quem estava numa faculdade de Engenharia, aquela era uma pergunta banal, fácil de resolver com uma simples regra de três. Mas o professor respondeu minha pergunta com tanta dignidade que nem me passou pela cabeça a ideia de sentir vergonha pela situação. Nenhum dos meus colegas de sala riu. O episódio me ensinou muito sobre a importância de tratar com seriedade e paciência até mesmo as dúvidas mais simples e, não por acaso, os alunos o tratavam com muito respeito.

O tempo passou e, 17 anos depois, eu mesmo me tornei professor de faculdade no período noturno. Em minhas aulas, sempre deixei claro aos meus alunos que todos têm obrigação de ajudar uns aos outros e de responder respeitosamente suas dúvidas. A lição deixada pelo meu professor de Química é tão simples quanto difícil, mas não desisto de segui-la. E, em todos os ambientes por onde passei, nunca me passou pela cabeça achar a menor graça das perguntas das demais pessoas.

Por maior que seja o tempo de experiência de uma pessoa em seu ramo de atuação, todos têm o direito de não saber. Uma das piores coisas que pode acontecer a alguém em um local de trabalho é ser hostilizado e tratado com impaciência por ter suas dúvidas. A dúvida é um momento de insegurança, em que a pessoa expõe uma falha em seus conhecimentos sobre o assunto (e que pode ser um simples esquecimento), e nessas horas não há nada mais desagradável do que ser tratado com arrogância.

Já vi gente que se recusou a tirar pequenas dúvidas de um colega de trabalho para não ter de apontar o tempo da conversa em um banco de horas. Quem age dessa maneira ignora que a pessoa com dúvidas gastará muito mais tempo procurando e se virando sozinha até saber o que fazer. “Não tenho tempo para ajudar” é uma das desculpas mais comuns nesses momentos – e o que poderia tomar meros 5 minutos de conversa se transforma em horas de pesquisa, atrasos em projetos, assédio moral em ambiente de trabalho e, no limite, desligamento da empresa.

Em especial a área de Tecnologia da Informação, outra área em que atuo, complexa a ponto de exigir do profissional um amplo conhecimento dos negócios que analisa e para o qual desenvolve. Já trabalhei com desenvolvimento de sistemas para – não necessariamente nessa ordem – tribunal, malharia, imprensa, aviação, e-Gov (gestão de governos), entre outras. Em todas, constatei o grau de complexidade envolvido no negócio, bem como a quantidade de detalhes aos quais ficar atento, a ponto de ser frequentemente necessário interromper o trabalho para conversar com chefes, analistas, gerentes, até mesmo com o profissional do dia-a-dia que faz o cadastro das informações. Ao fazer uma pergunta, a pior coisa que poderia acontecer nessas horas é ouvir: “como é que você não sabe disso?”. Tal gesto denota falta de profissionalismo e desrespeito, para dizer o mínimo. A pessoa que ri, age como se ela mesma nunca tivesse tido de começar do zero e aprender, em algum momento de sua carreira. Por mais experiente que um profissional seja, ele não entra em uma empresa sabendo tudo o que deve ser feito. Sempre há uma curva de adaptação e aprendizado.

Daqui a pouco terei de preparar o conteúdo das aulas desta semana, e sei que amanhã chegarei em meu local de trabalho com algumas sérias dúvidas. Em ambas as situações, o respeito é parte fundamental do ambiente de trabalho.

Até hoje, não entendo absolutamente nada de Química. Mas desejo que meu professor, que tanto me ensinou num momento tão curto, descanse na paz que merece.

Ele faleceu em 2007.

Franklin Gonçalves Jr.http://franklingjr.wordpress.com
Natural de Joinville (SC). Profissional de Tecnologia da Informação desde 1996, como estagiário. Em 1997, comecei a trabalhar com bancos de dados Informix/4GL, passei a trabalhar com Oracle a partir de 1999. Atualmente, profissional de TI e professor de Bancos de Dados.

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