Direito & Tecnologia

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A questão do anonimato na internet à luz da Lei

publicado por Roney Médice

Com o advento da criação da Internet, a partir da década de 90, muitas pessoas puderam trabalhar em conjunto, compartilhando dados, informações e documentos nessa grande rede de computadores. Ocorreu uma expansão explosiva da Internet nessa época, motivada por falta de uma administração central assim como à natureza aberta dos protocolos da internet. O acesso a um grande número de informações disponíveis às pessoas, com ideias e culturas diferentes, pode acarretar tanto em uma melhora dos conceitos da sociedade como um declínio, dependendo das informações existentes na internet e por quem as disponibilizam.

Em tempo de internet onde existe uma grande mobilidade tecnológica, percebemos que a cada passo dado em nossa “vida digital”, deixamos rastros de informações e dados confidenciais pela grande rede de computadores. Novidade? Até que não, pois somos “antenados” na tecnologia e queremos ter status, procuramos nos divulgar da melhor maneira possível fazendo o que conhecemos como Marketing Digital.

Entretanto, em alguns momentos durante a nossa navegação na grande rede de computadores (Internet), temos a oportunidade de comentar alguns artigos publicados na internet, com o qual podemos concordar ou discordar do caminho traçado pelo autor. Em muitos casos e acredito que seja a maioria, quem gosta de opinar sobre um determinado conteúdo publicado no site ou blog, deixa registrado o nome e sobrenome assim como o e-mail de contato para um possível contato no futuro.

Esse procedimento deveria ser seguidos por todos, no qual você se identifica e opina sobre um determinado assunto, gerando uma expectativa ao autor do artigo que ficará muito feliz em saber que pessoas se interessaram pelo seu conteúdo e estão dispostas a trocar ideias. Nada mais frustante é alguém ler o seu material publicado e no final, não se identificar para fazer o comentário, escrevendo vários absurdos atacando o próprio autor, ocorrendo em crimes de Calúnia, Difamação e Injúria, estes tipificados em nosso Código Penal Brasileiro nos Artigos 138, 139 e 140, respectivamente.

Todavia, temos que ter a consciência que em nossa Carta Magna, a Constituição Federal Brasileira de 1988, entre os seus dispositivos mais importantes, destaco um que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, descrito no artigo 5º inciso IV que preceitua “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ou seja, todo cidadão tem o o direito de expressar o seu pensamento, manifestar o seu ideal publicamente porém, não pode ser de forma anônima pois é vedado (proibido) pela nossa Constituição Federal (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm).

Analisando o texto desse inciso, podemos realmente notar qual era a preocupação do legislador da época em que a Carta Magna foi promulgada. Imagine se os meios de comunicação, que na época se resumiam aos jornais impressos, televisão e rádio, começassem a divulgar informações inverídicas sobre determinadas pessoas, empresas, políticos e etc, de tal forma a criar constrangimentos, prejuízos à imagem das empresas e outras consequências em que a vítima não possa identificar o autor desses fatos. Seria um desastre nas relações pessoais e para a própria economia, pois sem a identificação do autor do manifesto, não haveria a possibilidade da vítima se defender ao ponto de cessar as provocações e além disso, como poderia alguém ser responsabilizado pelos danos causados?

Nos dias atuais, se existem processos no judiciário com lides sobre os crimes de calúnia, difamação e injúria, é porque existe um autor identificado para responder pelos os seus atos. Mesmo que o autor seja o provável, sem a devida comprovação, pois isso será discutido no mérito da lide. Mas teremos sempre um “suspeito”, com base na vedação do anonimato.

Diversos sites de conteúdo já se preocupam com essa máxima do anonimato e nos seus controles de comentários aos artigos publicados, possuem configuração que determina que para ser adicionado um comentário, a pessoa tem que informar o nome e o e-mail de contato, evitando assim que o anonimato aconteça.

Todavia, sabemos que não é tão simples assim evitar o anonimato pois mesmo que seja necessário informar o nome e o e-mail para comentar um texto, o internauta pode simplesmente inventar um nome e digitar um e-mail inválido, pois não há checagem por parte do site a validação dos dados informados. Estará esse comentário em situação “ilegal” perante a Lei?

É uma questão que rende muita discussão em torno do assunto pois no momento que se informa qualquer nome adverso da identidade pessoal do comentarista, está atendido o preceito legal, pois não incorre no anonimato, porém, incorre em outra situação que, nesse caso, caracteriza um crime tipificado no Código Penal Brasileiro, o de Falsidade Ideológica conforme o Artigo 299.

Um exemplo de um caso que envolveu a questão do anonimato na internet e muito difundido na mídia, foi o caso do Google que teve que indenizar um cidadão que foi alvo de ofensas realizadas no site de blog da empresa. O juiz do processo determinou que o Google retirasse oito páginas do blog com conteúdos ofensivos ao autor da ação sob pena de uma determinada multa diária.

A sentença, ao final do processo, foi proferida e o Google foi obrigado a pagar uma quantia a título de indenização moral. A empresa recorreu alegando que ela não poderia ser responsabilizada pelo conteúdo criado por seus usuários mas a desembargadora do caso confirmou a sentença esclarecendo em seu despacho que “à medida que a provedora de conteúdo disponibiliza na internet um serviço sem dispositivos de segurança e controles mínimos e, ainda, permite a publicação de material de conteúdo livre, sem sequer identificar o usuário, deve responsabilizar-se pelo risco oriundo de seu empreendimento”.

A proibição ao anonimato é ampla, abrangendo todos os meios de comunicação, mesmo as mensagens de internet. Não pode haver mensagens injuriosas, difamatórias ou caluniosas. A Constituição Federal veda o anonimato para evitar manifestações de opiniões fúteis, infundadas, inverídicas que tem como propósito: intuito de desrespeito à vida privada, à intimidade, à honra de outrem conforme o caso acima citado.

Recentemente, o Marco Civil da Internet recebeu diversas sugestões para melhoria nas regras e normas de utilização da internet. Dentre elas, uma questão levantada é sobre o anonimato na internet, uma situação essa bem peculiar e caracterizado pela “vida moderna” que temos. No meio digital, não é difícil utilizar ferramentas e artifícios para navegar “anonimamente” como o sistema Tor e outras soluções que aumentam ainda mais a capacidade de navegação sem ser descoberto a sua própria identidade.

Claro que vestígios de acesso vão ocorrer como a identificação do IP que será registrado no momento de comentar um artigo, o log do provedor de internet para identificar o autor do acesso vinculado ao IP rastreado e outras ações que poderão levar ao verdadeiro responsável pela manifestação do pensamento, registrado no blog.

Entretanto, conforme já comentado em outros artigos, essa identificação pode ser totalmente sem sentido quando nos deparamos com várias redes sem fio (wireless) desprovidos de nenhum tipo de criptografia de conexão, fazendo assim, com que qualquer pessoa possa utilizar essa rede para registrar um comentário ofensivo sem ter realmente a sua identidade revelada.

Contudo, o anonimato na internet é legalmente vedado porém esse assunto é palco para muita conversa e discussão que precisamos nos unir para chegar em um determinado nível de aceitação pela sociedade. Mesmo que a Lei vede o anonimato, hoje é o que mais vemos acontecer nas mídias sociais com a criação de perfil fake (falso), apelidos como se fossem nomes verdadeiros e outras situações que só trazem problemas para as vítimas desses baderneiros digitais.

Autor

Graduado em Ciência da Computação, Direito e MBA em Gestão de Segurança da Informação. Coordenador de Segurança da Informação de um Terminal Retroportuário no Porto de Vitória, com mais de 10 anos de experiência na área. Consultor de Segurança da Informação do Grupo Otto Andrade. Perito Digital com certificação CDFI. Membro fundador do CSA – Cloud Security Alliance, membro do Comitê ABNT/CB-21 na área de Segurança da Informação, Presidente da APECOMFES – Associação de Peritos em Computação Forense do Espírito Santo. Presidente da comissão de desenvolvimento do ISSA (Information Systems Security Association) nas regiões Sudeste/Centro-Oeste.

Roney Médice

Comentários

8 Comments

  • Ótimo artigo.Apenas uma correção: o nome do sistema é TOR, acrônimo para The Onion Ring.

    • Flavio,

      Obrigado pela informação, porém, após a publicação, não consigo mais fazer alteração no artigo.

      Abraços,

    • Flávio,

      Sugestão devidamente alterada.

      Obrigado.

  • Parabéns pelo artigo. Não custa colocar o lonk para a página oficial da Constituição brasileira, onde se vê claramente o artigo 5o, que você menciona: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm

    • Obrigado Anchises!

      Seria realmente muito útil colocar o link no artigo, porém, após a publicação, não consigo mais fazer alteração no artigo.

      Abraços,

    • Anchises,

      Sugestão adicionada no post.

      Obrigado.

  • Parabéns pelo artigo, que mostra o ambiente digital como um desafio para a legislação.
    Entendo que em casos de calúnia e difamação, o anonimato se torna a proteção do infrator, mas a lei não obriga a identificação, somente proíbe o anonimato. Com isso, na Internet por exemplo, os provedores apenas precisam pedir uma identificação e não efetivamente comprová-la, já que isso é uma prerrogativa, não obrigatória no caso, de quem se identifica.
    Daí temos algumas situações interessantes: dizer que o anonimato na Internet é legalmente vedado significa também dizer por exemplo que o anonimato em pesquisas de opinião também é.

  • Ótimo artigo!

    Acredito que não haja o que possa alumbrar a questão do anonimato senão a forma pacificadora de #identificabilidade proposta no decorrer dos debates do infeliz artigo 20º do Marco Civil.

    O método adequaria a eficacia na assumpção de responsabilidade por parte do usuario nos termos de uso firmados com o prestador de serviços; acarretaria o tratamento diferenciado e condicional dos atos e registros de navegação do usuario não devidamente identificavel; minimizaria a necessidade de analise de registros para identificar um responsavel e por fim; emanciparia os cidadãos para o que o futuro da tecnologia os reserve.

    Não sei se resolve a questão da falsidade ideologica, mas no meu entender isso independe de a pessoa ser ou não identificavel. Não haverá problema contanto que não se declare com os dados de outrem ou aja de má-fé, induzindo 3º’s a erro.

    Sob o estado de anonimia, cada um que construa sua “identidade” 😉

    Saludos,

    o\

    .

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