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Gestão de Pessoas: Gladiadores, eu os saúdo! Parte 2

publicado por Israel Bovolini Jr

Na semana passada, começamos a analisar os estilos de gestão presentes no filme Gladiador (2000), de Ridley Scott. Interpretamos à luz de nossa realidade o gestor Maximus, que personifica o líder equilibrado, motivador, perseverante e de visão, mas impulsivo, focado excessivamente em resultado, sem tanta ponderação. Nesta semana estenderemos nossa análise para outro personagem: o Imperador Cômodo.

Marco Aurélio: Você está pronto para cumprir seu dever para com Roma?
Cômodo: Sim, pai
Marco Aurélio: Você não será o imperador
Cômodo: Que homem mais velho e mais sábio deve tomar meu lugar?
Marco Aurélio: Meus poderes passarão para Maximus, para reger até que o Senado esteja pronto para assumir uma vez mais. Roma deve ser uma república novamente.
Cômodo: Maximus?
Marco Aurélio: Sim. Minha decisão o desaponta?
Cômodo: Você me escreveu uma vez, listando as quatro virtudes de um líder: sabedoria, justiça, força e temperança. Assim que li a lista, eu soube que não tinha nenhuma delas. Mas tenho outras virtudes, pai. Ambição. Pode ser uma virtude quando nos leva a excelência. Recursos, Coragem, talvez não no campo de batalha, mas… existem várias formas de coragem. Devoção, para com minha família e para com você. Mas nenhuma das minhas virtudes estavam em sua lista. Parece até que você não me queria como seu filho.
Marco Aurélio: Cômodo, você exagera demais.
Cômodo: Eu busquei junto aos deuses… formas de te agradar, de te fazer orgulhoso. Uma palavra gentil, um abraço sincero… onde você me pressionaria contra seu peito. Seria como o Sol em meu coração por mil anos. O que há em mim que você odeia tanto?
Marco Aurélio: Cale-se, Cômodo.
Cômodo: Tudo o que eu sempre quis foi viver por você, César. Pai.
(Marco Aurélio se ajoelha)
Marco Aurélio: Cômodo, seus defeitos como filho são minhas falhas como pai. Venha aqui. (abraça Cômodo)
(Cômodo abraça Marco Aurélio e chora)
Cômodo: Pai. Eu sacrificaria o mundo todo… se você somente me amasse!
(Cômodo asfixia e assassina Marco Aurélio enquanto o abraça)

Eu considero (e alguns historiadores também, pois se trata de um personagem real) Cômodo como um dos piores imperadores de Roma. Conta-se que este gostava de se exibir em lutas com gladiadores vestido com uma armadura que o deixava semelhante a Hércules. Em termos de governo, Cômodo levou Roma que já estava mal das pernas economicamente quase à falência, promovendo jogos e distribuindo comida barata entre o povo. É de sua época a expressão “Panis et circensis” (Pão e Circo), onde o imperador literalmente distribuía pão ao povo (era barato) e oferecia espetáculos violentos (ao gosto da época) para distrair o povo das presepadas que o governo cometia (de novo aquela sensação de que já vi isso antes).

O estilo de gestão de Cômodo (no filme) se encaixa no do líder extremamente determinado mas marqueteiro, muito focado em vender mas não em entregar. Cômodo podia ser extremamente determinado, mas sua determinação era voltada exclusivamente à auto-promoção, visto que lhe faltavam outros atributos necessários ao líder. Logo no início do filme, Marco Aurélio (pai de Cômodo) está travando uma batalha contra os bárbaros germânicos, e vence graças a estratégia de Maximus. DEPOIS da batalha, quando tudo já estava terminado, chega Cômodo e conversa com o pai:

Cômodo: Cheguei tarde? Cheguei tarde pra batalha?
Marco Aurélio: Você chegou tarde para a guerra.
Cômodo: Pai, meus parabéns. Sacrificarei cem touros para honrar sua vitória.
Marco Aurélio: Poupe os touros. Honre a Maximus, ele venceu a batalha.

Quantos de nós já vimos um gestor apresentando desculpas/presentes para encobrir um erro? Cômodo tenta desviar a atenção do cliente – no caso, o próprio pai – que o pegou em uma mentira oferecendo um presente de encher os olhos. Mas o cliente percebe, e corta na hora. Infelizmente, no entanto, os Cômodos que existem por aí revestem suas palavras com tanto mel que por vezes conseguem enganar o cliente enquanto buscam uma solução. Felizmente, o cliente um dia percebe.

O diálogo inicial mostra também uma das soluções favoritas dos Cômodos corporativos: rápida, violenta e eficaz, mas moralmente errada – e que não se sustenta. Sendo fraco, ao invés de tentar reverter a imagem que ele próprio causou perante o pai, ou sugerir um meio-termo que o levasse ao trono (por exemplo, aliando-se a Maximus e aprendendo com ele), ele preferiu executar a tarefa de qualquer jeito, sem PLANEJAMENTO, e matou o pai sem levar em conta o que viria depois. Ganhar o poder no grito é algo relativamente fácil – mas um dia a pessoa perde a voz, e costuma ser rápido.

Não é nada errado fazer um bom marketing pessoal. Ao contrário, é extremamente necessário. Como já escrevi outras vezes, o profissional típico de TI costuma ser um excelente técnico, mas um péssimo vendedor, e acaba perdendo terreno para o colega que é mais comunicativo, que sabe se vender. ENTREGAR é importante, mas DIVULGAR A ENTREGA também é fundamental, se você quiser se sobressair. O único problema é quando só se sabe fazer a propaganda. Uma hora o cliente quererá receber o produto.

(Depois de matar o pai, Cômodo manda chamar Maximus, que deduz que Marco Aurélio fora assassinado pelo filho)
Cômodo: Seu Imperador pede sua lealdade, Maximus. Pegue minha mão, eu só a ofereço uma vez

Outro sinal de fraqueza de liderança: Cômodo fez um plano para as consequências de seu ato, e sua primeira providência é exigir que seu maior rival se torne seu subordinado. Maximus é um gestor técnico e focado, e logo se rebela, mostrando para os clientes (os outros soldados) que ele não sabe trabalhar em equipe, e garantindo um ponto para Cômodo, que o manda matar. Assim, Cômodo consegue o que quer – livra-se do rival. Infelizmente para ele, bons gestores um dia retornam (ou pelo menos sua fama permanece), e Maximus consegue voltar para Roma, e o desafia.

(Cômodo anuncia jogos de gladiadores para encobrir o crime de ter matado o próprio pai)
Senador Graco: Medo e Maravilha, uma combinação poderosa
Senador Falco: Você realmente acha que as pessoas serão seduzidas por isso?
Senador Graco: Eu acho que ele sabe o que Roma é: Roma é o povo. Mostre mágica e eles serão distraídos. Tome sua liberdade depois e mesmo assim eles o seguirão. O coração pulsante de Roma não é o mármore do Senado, é a areia do Coliseu. Ele lhes dará morte – e eles o amarão por isso.

(Cômodo e Graco discutem a idéia de Cômodo de promover jogos de gladiadores)
Cômodo: Eu acho que entendo meu próprio povo.
Senador Graco: Então talvez meu César será bondoso para ensinar-nos, dada sua larga experiência?
Cômodo: Eu chamo isso de amor, Graco. As pessoas são meus filhos. Eu sou seu pai. Eu devo segurá-los junto a meu peito e abraçá-los apertado…
Senador Graco: Já abraçou alguém morrendo de peste, milorde?
Cômodo: Não, mas se me interromper de novo, eu garantirei que você o fará.

Duas situações que mostram a verdadeira face do gestor Cômodo: para encobrir a fraqueza, ele inventa desculpas e mostra maravilhas para que as pessoas não percebem as presepadas que ele arruma. Mas na hora em que é confrontado com a verdade, a máscara cai, e Cômodo mostra que não é tão bonzinho assim. Mas uma coisa ele tem a seu favor: ele sabe manobrar a massa para que esta o adore, analisando-a e oferecendo justamente o que ela quer. Entregar é só um detalhe.

Continuando o filme, Cômodo evita o confronto direto com Maximus pois sabe que não tem competência para vencer. Ao invés disso, inventa lutas que possivelmente o matarão. Mas Maximus é técnico demais, perseverante demais, BOM demais, e não deixa a peteca cair. Ele vence o principal gladiador da época, e desafia o imperador, que havia dado o sinal para matar seu adversário, poupando sua vida. Isso garante a Maximus o apoio do povo e do Senado, que começa a montar um plano para “substituir” Cômodo. Mas todo Cômodo arregimenta aliados, que buscam usar sua glória para subir sem esforço (e normalmente dão conselhos estapafúrdios); invariavelmente estes aliados dançam junto com ele.

Cômodo: E agora eles amam Maximus por sua misericórdia. Então eu não posso simplesmente matá-lo, porque isso vai me fazer parecer mais impiedoso! Tudo isso é um louco pesadelo!
Senador Falco: Ele o está desafiando. Cada vitória dele é um ato de desafio. A multidão vê isso, e também o Senado. A cada dia que ele vive, eles ficam mais ousados. Mate-o.
Cômodo: Não. Não farei dele um mártir.
Senador Falco: Me contaram de uma certa serpente marinha que tem um método incomum de atrair suas presas. Ela se deita no fundo do oceano como se estivesse ferida. Então seus inimigos se aproximam, e ela ainda permanece quieta. E então seus inimigos dão pequenas mordidas nela, e ela permanece quieta.
Cômodo: Então, nós nos deitaremos, e deixaremos nossos inimigos virem até nós e nos morderem. Mande seguir cada senador.

O gestor começa a se incomodar, e busca destruir o apoio daqueles que o desafiam, mas tudo sub-repticiamente. Nada é aparente. Se algo aparecer, o gestor perde o jogo. Infelizmente para ele, de novo, tudo vem à tona um dia. As pessoas percebem que algo está mudando, mas não conseguem definir o que é. No dia em que percebem, o gestor marqueteiro perde as máscaras.

Cômodo: O que eu faço com você? Você simplesmente não… morre! Somos tão diferentes, você e eu? Você mata quando é preciso… assim como eu.
Maximus: Eu só tenho mais uma vida para tirar. Então eu termino.
Cômodo: Então tome-a agora!
(Maximus volta as costas para o Imperador e começa a se afastar)
Cômodo: Me disseram que seu filho… (Maximus para) … gritou como uma menina quando eles o pregaram na cruz. E sua esposa… gemeu como uma prostituta quando os soldados a possuíram… de novo, e de novo… e de novo.
Maximus: O tempo de honrá-lo logo terminará, Alteza

Como bom gestor fraco, Cômodo busca de toda forma enfurecer seu adversário, fazendo-o perder o controle, para mostrar que este não é digno de liderar. Mas o gestor Maximus aprende depressa, e se mantém no objetivo, não deixando que as picuinhas o desviem ou atrasem. Outra característica do gestor Cômodo é buscar justificar seus erros apontando semelhanças com seus pares mais capazes, para que ele não pareça tão inferior. Para ele, tudo está certo, tudo é justificável, pois afinal de contas, ele está agindo como todo mundo! Os outros é que não reconhecem! Mas tudo isso termina no momento crucial do projeto: a entrega.

Cômodo: O General que se tornou escravo. O escravo que se tornou Gladiador. O Gladiador que desafiou um Imperador. História edificante! Mas agora, o povo quer saber como a história termina. Somente uma morte famosa bastará. E o que pode ser mais glorioso que desafiar o próprio Imperador na Grande Arena?
Maximus: Você lutaria comigo?
Cômodo: Por que não? Você acha que tenho medo?
Maximus: Eu acho que você teve medo a vida inteira

Inevitavelmente, chega o dia em que o gestor Cômodo tem que enfrentar o desafio pessoalmente: seja a entrega de um projeto, seja uma confrontação com o cliente. Nesta hora, e eu gostaria imensamente de entender o por quê, parece que uma loucura toma conta dele e este acha que pode abraçar o mundo. Quero crer que a bravata serve de tática de intimidação. Se fosse uma roda de carteado, o gestor Cômodo berraria “TRUCO!” com uma mão fraca pra ver todos os outros saírem fora. O que muitas vezes ele não leva em conta é que pode ter alguém no jogo com uma mão mais forte que berra “SEIS!”. Nessa hora, o Cômodo percebe a besteira que fez, e busca uma alternativa:

(Cômodo e Maximus estão conversando, pouco antes de se enfrentarem na arena. Maximus está acorrentado)
Maximus: Eu conheci um homem que uma vez disse: “A morte sorri para todos nós. Tudo o que um homem pode fazer é sorrir de volta”
Commodus: Eu imagino; esse seu amigo sorriu para a própria morte?
Maximus: Você deveria saber. Era seu pai.
Cômodo: Você amou meu pai, eu sei. E eu também. Isso faz de nós irmãos, não faz? Sorria para mim agora, irmão!
(esfaqueia Maximus)

A última arma do gestor Cômodo, quando tudo mais dá errado: o ataque direto. Como ele não planeja, e não conta com a persistência do gestor Maximus (ou com o prazo acertado para a entrega), ele usa os recursos mais baixos e mais rápidos de que dispõe para derrotar seu adversário. Mas isso cobra seu preço. No fim das contas, o cliente quer resultados. E quando não os acha, ele perde todo seu apoio. O fim de Cômodo no filme acontece desta maneira:

(Durante a luta com Maximus, Cômodo perde sua espada)
Cômodo: Quintus, espada!
(Quintus fica parado)
Cômodo: Me dê sua espada!
(Quintus fica parado)
Cômodo: (para os guardas) Espada, alguém me dê uma espada!
(Alguns guardas tiram suas espadas)
Quintus: Guardem as espadas! Guardem as espadas!
(Os guardas recolhem suas espadas)

Cômodo continua a luta, e é ferido mortalmente por Maximus, que também morre na arena, devido ao sangramento causado pela facada de Cômodo. Com isso se encerra o tempo de tirania de um gestor fraco, que por seus próprios atos acaba caindo. Muitos de nós ficam bravos ou desgostosos por estarmos trabalhando com um Cômodo, mas já pensaram que podemos tirar lições valiosas até desta pessoa? Cômodo é ruim de entregas, mas excelente em marketing. É vil, traiçoeiro, mas é também determinado. Se ele focasse esta determinação em coisas úteis, palpáveis, seria imbatível. Como não têm visão de futuro para enxergar isso, procura a solução mais rápida, que acaba causando sua queda.

Na semana que vem, abordarei um estilo de liderança também presente no filme que trará um certo equilíbrio para esta estrutura de três perfis: o gestor Proximo. Até lá!

Autor

Trabalho na área de tecnologia há 12 anos, tendo sempre um perfil generalista, atuando desde o levantamento de requisitos, passando por análise de sistemas, desenvolvimento, implantação e fazendo acompanhamento pós-venda. Atualmente me dedico à liderança e coordenação de equipes de desenvolvimento, procurando sempre extrair o máximo de cada um e aplicando seus talentos para que todos saiam satisfeitos. Acredito que não exista um profissional cujos talentos não possam ser aproveitados em algum aspecto de um projeto, basta saber estimulá-lo a isso. LinkedIn: http://br.linkedin.com/in/ibovolini

Israel Bovolini Jr

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