“E nem eu também. Mas continuo estudando :-P”
Um homem sábio, portanto, tem crença proporcional às evidências.
O Princípio de Laplace (Pierre Simon Laplace) diz:
O peso da evidência para uma afirmação extraordinária deve ser proporcional à sua estranheza.
Carl Sagan popularizou:
Afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias.
- Teoria da Complexidade e Não-Linearidade
- Teoria do Caos (especificamente “Beira do Caos”)
- Teoria de Sistemas de Entropia
- Emergência e Auto-Organização
- Sistemas Complexos Adaptativos
- Evolução e Punctuated Equilibrium
- Teoria dos Jogos
Eu bem que tentei explicar cada um desses temas, mas descobri que palestras de menos de 1 hora são péssimas para expor conceitos tão densos ao mesmo tempo. Ainda vou encontrar um jeito melhor.
Cada um desses tópicos representa um ramo completo de pesquisa científica. E juro que não estou falando de pseudo-ciência, estou falando de pesquisa séria. Aliás, esses ramos são justamente a “resposta” para a pergunta: “como metodologias ágeis – se devidamente implementadas – efetivamente levam equipes a um estágio de hiperprodutividade sustentável?”
Da primeira vez que mencionei “Auto-Organização” no começo de 2009, eu ouvi muitas pessoas literalmente “tirando sarro” do que eu disse. Alguns acharam que eu “inventei” esse conceito “estranho”. Infelizmente não sou tão inteligente assim 🙂 Por acaso cheguei às mesmas conclusões que os criadores do Scrum. Veja o Jeff Sutherland, co-criador do Scrum, listando ele mesmo alguns desses conceitos:
Esse trecho é da palestra Auto-Organização: o tempero secreto para melhorar sua equipe Scrum, que ele apresentou recentemente no Google Tech Talk.
Confesso que foi muito estranho ouvir essa reação pois estou falando de pessoas que – teoricamente – deveriam ser agilistas já que clamam saber implementar Scrum. Por isso eu publiquei o artigo O Manifesto Ágil, ou como se tornar o Google onde comecei a interpretar o que todos já deveriam ter memorizado: oManifesto Ágil:
“As melhores arquiteturas, requerimentos, e designs emergem de equipes auto-organizadas.”
Sim, isto é um dos 12 princípios do Manifesto. Mas se você não entende o conceito científico de “emergência” e “auto-organização”, então você não entende o Manifesto e, portanto, terá muitos problemas em tentar ser Ágil.
Sabem do que mais? Ken Schwaber foi co-criador do Scrum, no meio dos anos 90, junto com Jeff Sutherland. Ele escreveu um paper formal apresentado noOOPSLA-95. Não consigo entender como alguém pode dizer que “sabe Scrum” e nunca ter lido esse paper. Nele, o Schwaber diz:
“Quanto mais próximo uma equipe de desenvolvimento operar da beira do caos, enquanto ainda mantendo ordem, mais competitivo e útil será o sistema resultante.”
O Sutherland e Schwaber foram alguns dos primeiros ocidentais a entender e publicar sobre a enorme diferença que existe entre processos Definidos(previsíveis) e processos Empíricos (imprevisíveis). Os japoneses já tinham entendido isso junto com Deming anos antes. Metodologias de Cascata, RUP,CMM são processos definidos. Scrum, XP e outras metodologias Ágeis são processos mistos entre definidos e empíricos. Esta é a primeira grande diferença que torna os dois grupos incomparáveis. O Schwaber explica isso muito bem em Controlando o Caos: Vivendo na Beira, apresentado no OOPSLA-96.
Também recentemente, às vezes ainda ouço alguém querer começar uma discussão do tipo “Scrum vs. XP” ou “Scrum vs. Lean” ou “Somar Scrum ao Kanban” ou “Somar Scrum ao CMMi” e é difícil não ficar frustrado com a futilidade dessas discussões, onde as pessoas discutem apenas o topo do iceberg e não chegam nem perto de tocar a base dos princípios que precedem cada um desses temas.
Nas palavras do co-criador do Scrum, Jeff Sutherland, de novembro de 2007:
Depois de pensar sobre os primórdios do Scrum, acho que a raíz tanto do Scrum quanto Lean são sistemas complexos adaptativos. Quando nós criamos Scrum nós não falamos sobre Lean, falamos sobre sistemas complexos adaptativos. Eu acho que Scrum e Lean são implementações complementares de maneiras de lidar com realidades físicas onde as coisas normalmente são não-lineares, não são simples e não são previsíveis.
O primeiro Scrum implementou todas as práticas que conhecemos do Scrum de hoje, mais tudo o que depois viria a se chamar de práticas de XP, mais um tempero secreto que cria equipes hiperprodutivas.
(…) Mas mais importante, nós capturamos o efeito de “punctuated equilibrium”, uma coisa que ainda estou para ver alguma equipe de Scrum conseguir. É um dos segredos de equipes hiperprodutivas. Antes de um desenvolvedor escolher uma tarefa em uma reunião de Scrum, a equipe inteira discute com o ele se essa tarefa é o caminho mais rápido para uma funcionalidade visível ao usuário-final. Isso foi uma implementação sofisticada de auto-organização e desenvolvimento “test-first”.
Engraçado é que, como eu disse antes, eu apenas li essa descrição da história do Scrum esta semana. Eu acabei chegando nos mesmos temas de Sistemas Complexos Adaptativos, Punctuated Equilibrium e os outros temas que listei acima, por caminhos diferentes. Eu já conhecia as novidades de teoria de redes de livre escala, que deu origem à minha palestra “Matando a Média” de 2008. Finalmente, lendo e relendo o Manifesto Ágil me deparei com a palavraauto-organização. A soma dessas duas coisas levou a dezenas de leituras que culminou em Sistemas Complexos Adaptativos. É um caminho de pesquisa que parece meio inevitável e parece que Sutherland e Schwaber chegaram à mesma conclusão mais de 15 anos atrás.
E mais do que isso, o Sutherland, também diz o seguinte a respeito da origem do Scrum:
A primeira equipe de Scrum foi criada diretamente de um paper que é leitura obrigatória para qualquer praticante de Scrum. Ele explica como configurar equipes auto-organizadas e claramente delineira o papel da gerência no processo.
Takeuchi and Nonaka. The New New Product Development Game. Harvard Business Review, 1986
Um paper mais longo que vai mais a fundo, a partir de um livro que já saiu de circulação. Alguns podem achar mais fácil de ler.
Ken-ichi Imai, Ikujiro Nonaka, and Hirotaka Takeuchi. Managing the New Product Development Process: How Japanese Companies Learn and Unlearn.
Hirotaka Takeuchi e Ikujiro Nonaka são professores japoneses também conhecidos por suas pesquisas em Gestão do Conhecimento. O paper na Harvard Business que o Sutherland menciona custa meros USD 6,50. Eu acabei de comprar e é muito interessante que a analogia com “Scrums” de “Rugby” está explicado e nomeado nesse paper. Ou seja, o nome “Scrum” origina de Takeuchi e Nonaka. Mais do que isso, eles já explicam nesse paper o que é e como funciona esse conceito de Auto-Organização. Eles também explicam o estilo sequencial (tipo A) e fases de desenvolvimento que se sobrepõe (tipos B e C). O Sutherland comumente fala de equipes hiperprodutivas como Scrum Tipo C.
O que Takeuchi e Nonaka explicam em detalhes nesses papers é o seguinte:
A partir de entrevistas com membros de organizações, do CEO a jovens engenheiros, aprendemos que empresas líderes demonstram 6 características no gerenciamento dos processos de novos produtos:
- Instabilidade Interna
- Equipes de projetos auto-organizados
- Fases de desenvolvimento que se sobrepõe
- “Múltiplo-aprendizado”
- Controle sutil
- Transferência organizacional de conhecimento
Mais uma vez, cada um desses ítens é tema para um ramo inteiro de pesquisas, por isso recomendo que não se tente, superficialmente, retirar qualquer sentido apenas dessas poucas palavras. O objetivo aqui é apenas dar um “gostinho”. Compre o paper e leia mais sobre o trabalho dos dois, especialmente sobre Gestão do Conhecimento, que é um pouco diferente do que a maioria das empresas entende sobre conhecimento (pra variar).
Outra coisa que alguns podem não saber:
“No mesmo ano (1995), Sutherland deu suporte para o desenvolvimento do Extreme Programming, ao dar a Kent beck toda a informação de bastidores da criação do scrum e o resultado de dois anos de desenvolvimento de produto com o processo Scrum de 1993-95. As práticas de engenharia de XP evoluíram junto com o Scrum e os dois processos de desenvolvimento Ágil trabalham bem juntos. Scrum e XP são os processos Ágeis mais usados pelo mundo e seus criadores são signatários do Manifesto Ágil.”
Isso está no Scrum Papers que, obviamente, se você é um agilista, deveria ler. O ponto é: Scrum é fundado nos princípios japoneses que deram origem ao Lean, ao mesmo tempo que serviu de inspiração para a criação de XP. Ou seja, não existe conflito entre Lean, Scrum, XP. Eles tem raízes semelhantes! Por isso é importante estudar os princípios mais do que somente as práticas.
Cuidado: eu não estou citando tudo isso como forma de “provar” meu ponto. Estou citando estudos que por acaso coincidiram com o que eu comecei fazendo sozinho. É tudo material de pesquisa que não deve ser usado como dogmatização, mas como referência para pesquisa.
Finalmente, para fechar, gosto de mencionar Mary Poppendieck. Das agilistas, ela e Tom, foram os que resolveram ir na linha mais purista e escreveram Lean Software Development. Com essa explicação deve ficar claro que o que a Mary/Tom e o Sutherland/Schwaber dizem não é contraditório, não é competitivo, são apenas complementares e totalmente compatíveis, cada um com sua bagagem de experiências. E, de Mary, acho que este artigo sobre ‘Culpa’é importante de ler:
O propósito do que se tornou a estrutura organizacional de hoje era claro: a assinalação de responsabilidade permitiria “detecção imediata de negligências de trabalho … e apontar o delinquente.”
(…) Existe uma coisa chamada trabalho padrão, mas padrões deveriam mudar constantemente. Em vez disso, se você pensar no padrão como o melhor que você pode fazer, está tudo acabado. O trabalho padrão é apenas uma base para fazer mais kaizen. É kai-aku [mudança para pior] se as coisas piorarem em relação a agora, e é kai-zen [mudança para melhor] se as coisas melhorarem. Padrões são ditados arbitrariamente por humanos, então como elas não deveriam mudar?
Esse último parágrafo é, novamente, para aqueles que ainda acham que existem balas-de-prata, que existe algum corpo de práticas inabaláveis (CMMI, ITIL, RUP, etc) onde basta “seguir a receita à risca” que tudo vai, magicamente, dar certo. Afinal, são “padrões de mercado”.
Bullshit! Faça sua lição de casa: continuem pesquisando!
Artigo publicado originalmente em www.akitaonrails.com
[Crédito da Imagem: Scrum – ShutterStock]
Muito interessante o artigo, realmente muitos sabem apenas algum conceito superficial e acham que sabem tudo sobre SCRUM (sou um deles), me interesso bastante pelo assunto, vou arrumar um tempo pra aprofundar meus estudos, pois como você mencionou sabemos apenas o que tem na ponto do iceberg. Parabéns pelo artigo.
Ótimo artigo.
Scrum, Lean, XP e mesmo o PMBOK se complementam e não devem ser vistos como “rivais”
Sobre a tal “auto-organização” é algo que acredito piamente e foi aboradado de uma maneira muito boa no artigo. Um termo distorcido que foi criado por alugns pseudo-agilistas é o tal do “auto-gerenciamento” o que de na minha opinião não existe de forma alguma ! Inclusive tenho um artigo onde abordo bastante sobre a diferença entre esses dois termos.
Novamente parabéns pelo belo artigo