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Filme “Aos teus olhos” e a reputação digital

publicado por Adriano Augusto Fidalgo

Figura - Filme “Aos teus olhos” e a reputação digital“Rubens (Daniel de Oliveira) é um professor de natação carismático e extrovertido, que dá aulas para pré-adolescentes em um Clube. Querido por todos devido ao seu jeito brincalhão e parceiro, ele se vê em apuros quando um de seus alunos, Alex (Luís Felipe Melo), diz à mãe que o professor lhe deu um beijo na boca no vestiário. Alegando inocência, Rubens é acusado pelos pais da criança e passa a ter que lidar com um verdadeiro linchamento virtual, que tem início através de mensagens de WhatsApp e explode de vez quando chega ao Facebook.”[i]

Bem, o filme é muito interessante, notadamente do ponto de vista da Reputação Digital, ligando-se com temas muito atuais como a Educação Digital, o Direito Digital, a Governança Corporativa, o Compliance, a Privacidade, a Intimidade, a Honra e como as empresas devem se preocupar com isso. Vale lembrar do famoso caso da Escola Base[ii], um marco sobre questões atinentes à ética jornalística e jurídica.

Nota-se que, por um ato, a nossa vida pode ser devassada nas redes, seja ele merecido ou não. De modo que, cumpre emitir algumas considerações sob a ótica do Direito Digital, da Segurança da Informação e da Educação Digital, analisando a obra de ficção como se fosse uma situação real, a saber:

  1. O ato do professor caso fosse real seria considerado abuso sexual de menor e não pedofilia, pois esse termo designa a doença caracterizada pela atração sexual que o indivíduo detém por crianças. Enquadramento legal, do abuso: Ato libidinoso. Código Penal. Artigo 217-A. Pena de 8 a 15 anos.
  2. A Diretora do Clube age de forma omissa em proteger a reputação da empresa e o próprio professor. Poderia ela ter suspendido o Professor imediatamente após a denúncia, por exemplo, para a devida apuração administrativa do relatado. Inclusive preservando a integridade física do Professor.
  3. A Diretora teve uma conversa meio informal com o Professor, por duas vezes. Deveria ter falado com ele na sala dela. A conversa foi quebrada em duas partes. Ela deveria ter exercido o poder de gestão e saber fazer as perguntas certas. Em certa cena ela deita no sofá da sala dela e chega o Delegado, representando a polícia, demonstrando a sua incapacidade de enfrentar o problema. Não fala com algum superior do Clube, não se sabe sequer se existia. Portanto, se existisse eu creio que ela deveria ter se socorrido de outra alçada para dar força a suas decisões administrativas.
  4. A empresa parece não ter um plano de gestão de riscos. Não falam em acionar um(a) advogado para defender a empresa e o professor. Compliance? Governança Corporativa? Lidam com crianças, ou seja, um público em que há riscos críticos, pois merecem os infantes a necessidade de proteção especial, conforme a legislação existente, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
  5. O Clube não parece ter tomado nenhuma providência também no que tange a notícia espalhada no WhatsApp e no Facebook. Em tese poderia ter buscado uma liminar para remoção do conteúdo, alegando o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, em prol do Professor e visando minimizar ou refrear danos reputacionais percebidos pelo Clube.
  6. Por que o Professor foi falar com o menino em lugar que não tem câmera? Ato totalmente temerário nos dias atuais, em que somos vigiados com constância e considerando as responsabilidades dos adultos.
  7. O Clube treinou os funcionários? Havia políticas internas definidas sobre o relacionamento Professor e Aluno, inclusive nas redes sociais? Poderia o Professor ter os alunos nas redes sociais? O Regulamento interno do Clube dispõe algo sobre tal tema?
  8. O Clube estava adaptado a Lei de Combate ao Bullying, considerando que a legislação trata de tal obrigação, sendo que o Bullying de caráter sexual é uma das modalidades contempladas pela lei.
  9. O Professor, por sua vez, tinha alguns comportamentos inadequados ou arriscados (comentários sobre alunos e pais, alunas nas redes sociais, fumar no Clube, beijar alunos e a localizada sunga do menino no armário), a direção do Clube sabia disso? Já o havia repreendido? Fez pesquisa de antecedentes antes de contratá-lo? Monitorava as redes sociais dos colaboradores?
  10. De outro lado, o filme não mostrou a criança falando literalmente da situação. A mãe que disse que o menino falou. Eu creio que seria recomendável que ele passasse por um(a) psicólogo(a) para confirmar aquela afirmativa. Se eles estiverem errados podem responder por denunciação caluniosa (artigo 338, do Código Penal; pena de reclusão de 02 a 08 anos e multa), além de responder civilmente.
  11. E os pais que curtiram e compartilharam eventualmente responderiam nas órbitas civil e criminal.
  12. A situação foi informada por uma mãe. Mas e se fosse uma Fake News? Disparada por um perfil falso? Descrédito dos concorrentes é uma forma de Concorrência Desleal. Ou ainda e se fosse um inimigo capital do Professor ou do Clube que tivesse plantado tal notícia?

Desta forma, conclui-se que o filme faz uma importante abordagem dos riscos digitais no cotidiano. Todos têm que estar atentos, mas, pelo filme, em especial as empresas que lidam com público infantil tem que antever problemas dessa envergadura que, por certo, podem inclusive redundar na sua quebra, já que um incidente dessa natureza quando julgado pelos Tribunais das redes sociais geralmente recebem penas severas.

[i] Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-258685/. Acesso em: 21.Out.2018.

[ii] “O Caso Escola Base começou em março de 1994, em São Paulo (SP). Os donos de uma escola infantil, bem como o motorista do transporte escolar e um casal de pais de um aluno, foram acusados por duas mães de abuso sexual. Foi na 6ª Delegacia de Polícia, na zona sul de São Paulo (SP), que a queixa foi prestada contra a Escola de Educação Infantil Base. Ao comparecer à delegacia para obter mais detalhes da acusação, os donos da escola já começaram a sentir o abuso das autoridades. Sem maiores provas, porém, com a cobertura da imprensa junto à conduta precipitada da polícia, o conhecido Caso Escola Base recebeu grande repercussão. Embora nenhuma prova de abuso sexual tenha sido encontrada – apenas a denúncia – a credibilidade da Escola de Educação Infantil Base começou a ruir. A notícia foi veiculada no Jornal Nacional, da Rede Globo. A mídia, no geral, sensacionalizava o fato, explorando o sofrimento das mães e deixando de lado a ética jornalística. Atenta-se que, até esse momento, os suspeitos sequer haviam prestado depoimento à polícia. A pressão da imprensa foi tanta que Richard, um americano que não possuía qualquer ligação com o caso, foi preso, ainda que tenha sido solto 9 dias depois.” Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/caso-escola-base/. Acesso em: 21.Out.2018.

Autor

* "O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 Advogado. Auditor Jurídico. Decano Honorifico de la California Silicon Valley School Of The Law. Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco. Especialização em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. MBA (Master Business Administration) em Auditoria pela Universidade Nove de Julho. Presidente da Comissão Especial de Direito Digital e Compliance da OAB/Santana. Especialização em Computação Forense pela Universidade Mackenzie. Mestrando em Educação pela Universidade Nove de Julho, na Linha de Pesquisa: Educação, Filosofia e Formação Humana. Membro Efetivo da Comissão Especial de Educação Digital da OAB/SP. Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Digital e Compliance da OAB/SP. Membro das Comissões de Direito do Consumidor, CONSEG e OAB vai à Escola, da Subseção da OAB/Santana. Certificações em Tecnologia da Informação pela ITCERTS, do Canadá, nos cursos de Ethical Hacking Essentials, Information Security Policy Foundation e Infosec Foundation. Certificado pelas Academais do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e World Intelectual Property Organization (WIPO) no Curso Geral de Propriedade Intelectual. Com certificações em Fundamentos da Gestão de TI, Ética Empresarial, Processo de Comunicação e Comunicação Institucional, todos pela FGV. Articulista nos Portais TI Especialistas, Direito & TI, Administradores, Jurisway e Jusnavigandi. Pesquisador cadastrado no CNPQ nos seguintes Grupos de Pesquisa: I) GRUPEFE - Grupo de Pesquisa em Filosofia da Educação. II) GRUPETECD - Grupo de Pesquisa em Educação, Tecnologias e Cultura Digital. Autor do livro: Reputação Digital no Facebook, Sustentabilidade Empresarial e o Consumidor. Palestrante. Professor da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo - ESA/SP. E-mail: fidalgo@aasp.org.br. Telefone: (11)94748-7539.

Adriano Augusto Fidalgo

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