Direito & Tecnologia

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Uso indevido de Metatags e seus reflexos legais

publicado por Marcio Luís Marques

Marcio Luís Marques

     Advogado. Docente universitário. Coordenador de contencioso cível. MBA em Direito Eletrônico. Membro do IBDE – Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico e da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP.

RESUMO: Aborda o uso indevido de linhas de comandos em websites denominadas como metatags, indicando sua aplicação de forma objetiva, sem aprofundamento teórico, permitindo a assimilação do conteúdo tanto pela área tecnológica, quanto pela jurídica, facilitando a interdisciplinaridade e concluindo na ilicitude da conduta praticada.

PALAVRAS-CHAVES: metatag; buscadores; concorrência; aspectos legais.

SUMÁRIO: I – Introdução; II – Funcionamento de um site de buscas; III – Conceito e importância das metatags; IV – Reflexos jurídicos das metatags indevidas; V – Conclusões.

I. Introdução:

A rede mundial de computadores é sem dúvida o grande motor e verdadeiro vetor para que tenha ocorrido a Revolução Digital, ou da Informação.

Com o advento da internet o conhecimento circulou, distâncias foram minimizadas, houve circulação de capital, ideias foram propagadas, revoluções de fato foram feitas, enfim, a criação, desenvolvimento e popularização da internet permitiu que o ser humano desenvolvesse capacidades, trocasse informações e produzisse conhecimento em escala jamais vista na história.

Desde o estouro das bolhas das empresas ponto com na década de 1990, a internet veio se transformando em um campo mais estruturado de realizações comerciais, atuando como verdadeiro instrumento de desenvolvimento econômico. Considera-se que se a internet pudesse ser comparada a um país, em 2016 ela representaria a quinta maior economia mundial, movimentando cerca de US$ 4,2 trilhões[1], conforme pesquisa elaborada pela consultoria Boston Consulting Group (BCG).

Neste esteio, o acúmulo de informação gerada pela produção desenfreada de conteúdo ficaria totalmente esparso, perdido e desorganizado, se não fossem os motores de busca, search engine. Esse tipo de ferramenta fez criar gigantes da Era Tecnológica como o Google, expoente maior disso, Yahoo, Bing, entre outros.

Todavia, para que os conteúdos dos sítios eletrônicos, sites, sejam adequadamente catalogados essas ferramentas de busca varrem o site e indexam termos, perfis, e demais dados que deem a ideia do que contém aquele sítio eletrônico, permitindo o fornecimento ao usuário que faça a consulta uma indicação resumida e a mais precisa possível, a fim de que o mesmo encontre o conteúdo procurado na rede.

Sobre essa varredura e posterior indexação em bases de dados dos servidores de busca é que sites mal-intencionados colocam palavras ou linhas de comando de programação que, em tese, não fariam referências propriamente ao conteúdo direto da sua página, levando o internauta a erro. Os objetivos podem ser os mais diversos, mas seja lá qual for, o uso é indevido.

II. Funcionamento de um site de buscas:

Tomando-se como exemplo o sistema de indexação do Google, há um sistema chamado de Googlebot que indexa alfabeticamente o conteúdo das páginas, o que permitirá a localização futura na base dos servidores de indexação.

Feita a consulta pelo usuário, o Google retorna com o resultado em frações de segundos, o que melhor é compreendido pelo diagrama[2] abaixo:

 

Note-se que o resultado final que sairá para o usuário é obtido através da aplicação de algoritmos de pesquisa e classificação, onde as páginas são classificadas em ordem crescente de importância, denominados PageRank[3], e que leva em consideração diversos fatores e que o próprio Google não esclarece quais são os critérios objetivos para isso.

Entretanto, um dos fatores que são preponderantes para a classificação da página no resultado final da pesquisa é se esta tem todos os termos procurados pelo usuário. Quanto mais termos contiverem, mais relevante ela será.

É exatamente sobre o critério de continência das palavras buscadas é que se analisa a questão da inclusão de metatags que, em regra, não deveriam estar lá, pois além da inclusão indevida de termos, essa inclusão não é perceptível ao usuário visualmente, mas somente abrindo o código-fonte da página para verificação.

III. Conceito e importância das metatags:

Segundo o dicionário Michaelis, o termo tag significa etiqueta, identificação[4]. Dessa forma as metatags são identificações constantes nas páginas eletrônicas. Tais identificações são utilizadas para orientar os motores de busca sobre qual o conteúdo pode ser encontrado nas referidas páginas.

A importância das metatags é fundamental para adequada informação ao usuário e direcionamento deste para o local onde realmente conste o que está buscando.

A metatag pode ser definida como uma linha de código em formato HTML (Hyper Text Markup Language – Linguagem de Marcação de Hipertexto) onde consta a informação do nome da página, conhecida como title tag; o conteúdo e as palavras-chaves, keywords, que estão inseridas na página e orientam as ferramentas buscadoras. Elas são invisíveis aos olhos do usuário, pois estão expressas em linhas de comando, mas não passam despercebidas aos buscadores.

Com o cotejamento dos três pilares das metatags: title tag; description e keywords o usuário tem um perfil o mais próximo possível do exato conteúdo da página. Como essa informação é arquivada em cachê nos Servidores de Índice do diagrama anterior, os motores de busca fazem a classificação da página colocando-a em relevância na busca realizada.

Mas qual a importância ou necessidade de algum programador incluir metatags em suas linhas de comando na elaboração do site que não representem necessariamente a informação buscada? A resposta é simples: para obter algum tipo de vantagem.

Suponha-se o caso de uma empresa que concorre com determinado produto/serviço a outra que tem sua marca ou seu produto muito conhecido e que pelos cálculos de relevância do PageRank qualquer consulta acerca daquele produto/serviço aponte diretamente para aquela empresa e não para essa concorrente menos conhecida. Esta empresa tem todo o interesse que ao ser efetuada a busca do produto em questão, a sua empresa apareça de forma relevante. Com isso ela terá mais chances de efetuar a transação ou ainda de passar a ter sua página naturalmente melhor classificada em função do aumento considerável de pageviews, aumentando em popularidade, um dos critérios para classificação no PageRank.

Neste momento esse concorrente, que claramente é desleal, tem a infeliz ideia de colocar comandos no código-fonte da sua página que apontariam para a empresa paradigma, passando a ser também alçada em posição de relevância às demais.

Traduzindo isso em números, levando em consideração que hoje os sites de busca respondem por 35% (trinta e cinco por cento) do trafego aos sites de comércio eletrônico, segundo estudos feitos recentemente[5], há evidente objetivo financeiro na alteração e inclusão de metatags, em especial nas páginas que sejam ligadas ao e-commerce ou ­e-bussines. Considerando a projeção para 2016 de uma movimentação de US$ 4,2 trilhões, a grosso modo falando, isso representaria cerca de US$ 1,47 trilhão que passaria pelas páginas dos buscadores. Sem dúvida um atrativo para que maus profissionais burlem os sistemas de buscas a fim de obtenção de vantagem indevida.

IV. Reflexos jurídicos das metatags indevidas:

O objetivo do uso indevido das metatags podem ser os mais variados possíveis, mas independente de qual for ele ofenderá diretamente o ordenamento jurídico pátrio.

A Constituição Federal de 1988 garante em seu art. 1º, IV a livre iniciativa como parte das premissas fundamentais para constituição do Estado Democrático de Direito. Reafirmando a garantia dada, ao tratar da Ordem Econômica, o legislador constituinte inseriu no art. 170, IV também a garantia à livre concorrência. Como forma de dar efetividade às garantias, o texto constitucional em seu art. 173, §4º reforça que a lei infraconstitucional irá reprimir a eliminação da concorrência e a dominação de mercados.

Ao dar efetividade ao comando constitucional, em 1994 é editada a Lei 8.884/94 que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, conhecida como Lei Antitruste.

Nesse diapasão a conduta nociva de uso indevido de metatags reflete diretamente em prática de ilegal, prevista na Lei 8.884/94. É evidente que quando a utilização de tais comandos de instrução tem o fim de desviar audiência, clientela ou negócios, está evidentemente prejudicando a livre concorrência e livre iniciativa, podendo ser inseridas nas hipóteses previstas no art. 20, I e até mesmo II da Lei Antitruste.

José Afonso da Silva nos leciona sobre o que é o abuso nas relações concorrenciais:

“O abuso caracteriza-se pela dominação dos mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros. A Lei 8.884, de 11.6.1994, é que cumpre o mandamento constitucional de repressão ao abuso do poder econômico. Cria ela, assim, o chamado “direito antitruste”, com a finalidade de prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”[6]

Em se tratando de envolvidos que disputem o mesmo setor, pode-se aplicar diretamente o previsto na Lei de Propriedade Industrial, Lei 9.279/96, incidindo na espécie o art. 195, incisos III e IV. Tal conduta é tipificada como crime concorrencial por este diploma.

Rubens Requião[7] divide os atos de concorrência desleal em:

a) atos geradores de confusão que incidem sobre os signos distintivos usados pelo concorrente;

b) atos de desvio de clientela, os quais buscam denegrir o concorrente e seus produtos e serviços (agressão ao competidor); e

c) atos contrários à moralidade comercial que estão situados na violação dos segredos dos concorrentes, por meio de seus empregados ou demais integrantes da empresa e na propaganda falsa.

A livre concorrência e iniciativa são salutares à sociedade, traduzindo-se como fator gerador de riquezas e distribuição de renda.

Não obstante a discussão se a defesa dos consumidores poderia ser feita diretamente pela Lei Antitruste ou pelo CDC, é inconteste que a prática de concorrência desleal afetará igualmente ao consumidor tanto quanto ao concorrente prejudicado.

Sem muita dificuldade se configura claro o tipo penal da concorrência desleal praticada por quem atribui metatag indevida em sua programação HTML do site. Com o avanço tecnológico, para o desvio de clientela não há nem a necessidade de se denegrir a imagem do concorrente, mas sim desviando a atenção do que busca o concorrente, para encontrar o desleal. Seria, mutatis mutandi, desviar o consumidor de entrar na loja ao lado, pegando-o pelo braço e o direcionando à loja do desleal.

Não somente há como se enquadrar na conduta de concorrência desleal, quanto ao concorrente prejudicado, também pratica o crime de estelionato em face do internauta redirecionado, hipótese prevista no art. 171 do Código Penal. Vejamos:

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

 

Como não se reconhecer que o desleal está mantendo o usuário em erro, obtendo flagrante vantagem ilícita? A conclusão não pode ser outra senão pela ilicitude da conduta.

Outrossim, na hipótese do concorrente prejudicado ter sua marca registrada junto ao INPI, ou outra indicação que lhe seja designativa, também incorrerá o desleal no crime do art. 189 da LPI nº 9.279/96.

Sem prejuízo das implicações penais, ainda é resguardado ao prejudicado as reparações cíveis cabíveis, pois a garantia à reparação civil é prevista constitucionalmente em seu art. 5º, V e na legislação civil no art. 186; 187; 927, todos do Código Civil.

Ademais, em lead case quando se fala em uso indevido de metatags, há a Civil Action nº 97-Z-1592[8], ajuizada pelo escritório de advocacia Oppedahl & Larson vs. Advanced Concepts nos idos de 1997. Nesta ação o escritório autor identificou que em se fazendo pesquisas com o nome deles, que são especializados em patentes e propriedade intelectual, aparecia sempre correlato o nome do réu, que era uma empresa especializada em desenvolvimento de sites, prestando serviço de webdesigner.

A empresa ré acreditou que quem busca um escritório de propriedade intelectual teria interesse também em desenvolver uma página eletrônica, daí a intenção em associar os termos do referido escritório nas metatags da sua página. Mesmo não sendo concorrentes diretos em determinado nicho de mercado, é inegável que o web designer visou se aproveitar do prestígio e reconhecimento da marca do escritório de advocacia para alavancar seus negócios. Ao final da demanda a ré foi condenada a se abster de incluir em seu código-fonte da sua página os termos que levassem, ou associassem, às pesquisas feitas com os termos do escritório autor.

Havendo concorrência direta ou benefício indireto do uso indevido do prestígio de outrem, tal conduto pode ser imputada como criminosa e em ambos os casos gerar direitos civis à reparação patrimonial.

V.  Conclusão:

Com o avanço tecnológico a prática do comércio ganhou novos desdobramentos e o tipo de publicidade que anteriormente era feito através do próprio ‘ponto comercial’ em si e por divulgações através de mídias impressas, televisivas e radiofônicas, agora também o é feito através dos meios digitais.

Porém, mais do que simplesmente se fazer a divulgação através do meio digital, o próprio estabelecimento comercial se desmaterializou e migrou para o ambiente virtual.

As linguagens de programação podem conter termos e instruções que aos olhos do usuário mediano são totalmente ocultos, mas que não passam despercebidos às ferramentas de buscas, verdadeiro motor do comércio eletrônico na atualidade, representando significativo canal de movimentação da economia virtual.

Usar de meios escusos para redirecionar audiência e eventuais consumidores é, além de imoral, juridicamente punível criminal e civilmente, havendo que se criar regulamentação urgente para que se proteja esse grande bem intangível do e-commerce: a sua clientela.

[1] Íntegra em: http://www.bcg.com/media/PressReleaseDetails.aspx?id=tcm:12-100468, acessado em 17 de abril de 2012.

[2] Fonte: http://sites.google.com/site/historiasobreossitesdebusca/historia-dos-principais-sites-de-busca/Historia-do-site-de-busca-google/como-funciona-o-site-de-busca-google , acessado em 17 de abril de 2012.

[3] Ver mais em: http://www.efetividade.net/2007/05/16/pagerank-entenda-o-que-e-para-que-serve-e-por-que-existem-tao-poucos-blogs-nacionais-com-pr-maior-que-5/, acessado em 17 de abril de 2012.

[4] MICHAELIS. Moderno Dicionário de Inglês. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/ingles/index.php?lingua=ingles-portugues&palavra=tag, acessado em 17 de abril de 2012[5] Ver em: http://www.comprafacilempresas.blog.br/e-commerce-2/saiba-como-funciona-a-busca-do-google-maior-gerador-de-trafego-do-e-commerce/, acessado em 17 de abril de 2012.

[6] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual  à Constituição, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, pág. 720
[7]REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 26ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, págs. 210-211
[8] Disponível em: http://cyber.law.harvard.edu/property00/metatags/meta7.html, acessado em 18 de abril de 2012.

Autor

MBA em Direito Eletrônico pela EPD – Escola Paulista de Direito; Docente Universitário pela FGV-RJ; Advogado; Sócio do Marques & Tito Advocacia Estratégica; Membro do IBDE – Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico; Membro da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia OAB/SP; Professor do MBA em Direito Digital do IPOG-GO; Primeiro-secretário da CIAMTEC – Câmara Internacional de Arbitragem e Mediação em Tecnologia e E-commerce.

Marcio Luís Marques

Comentários

1 Comment

  • um belo blog, com excelentes assuntos e de um amigo que é exc.elente profissional abs

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