No Brasil, as pequenas e médias empresas (PMEs), respondem por mais de 60% dos postos de trabalho* e constantemente sofrem com: alta rotatividade de colaboradores, baixa qualidade de produtos e serviços, dificuldades para implantar as melhores práticas do mercado e geralmente baixo orçamento para aquisição de produtos e serviços. Nesse cenário o “jeitinho brasileiro” aparece ao mesmo tempo como causa e solução desses problemas gerando assim um paradoxo. Falar em sustentabilidade nessa situação parece inviável, entretanto, é possível mudar essa mentalidade em longo prazo.
João – um sobrinho, do primo, do cunhado, do irmão do gerente – que acabou de fazer um curso de manutenção de computadores é indicado para Corrêa, o dono da pequena empresa Brasil Computadores para ser o novo “menino da TI”, haja vista que o último acabara de sair para outra empresa que pagará o dobro do que ele ganhava. Deste ponto em diante, João responderá por no mínimo cinco cargos da TI dentro da Brasil Computadores, ganhará o piso de um auxiliar administrativo + alguma soma a ser paga do jeitinho brasileiro. Em pouco tempo João será mais experiente e assim como seu antecessor também irá para outra empresa. Dessa forma, nascem milhares de profissionais da TI brasileira.
Essa situação hipotética demonstra uma das grandes falhas da TI nacional – profissionais inexperientes e mal qualificados, que iniciam sua vida profissional quase sem nenhuma mentoria e que não sabem reconhecer o valor do seu serviço, ou seja, ou se supervalorizam ou se menosprezam demais. Corrêa, o nosso executivo PME fictício, normalmente é filho de comerciantes ou “cria” de alguma empresa financeiramente bem sucedida que resolveu empreender seu próprio negócio. Ele pouco conhece de TI e encara seu uso apenas para a operação “commodity” e suporte das atividades de seu negócio ao invés de utilizá-la como fator estratégico de para ampliar produtividade, reduzir custos, melhorar a qualidade de seus produtos e serviços e assim garantir uma expansão sustentável, o que significa dizer que, boa parte desses 60% dos postos brasileiros trabalham de forma retrógrada e não acompanham os pensamentos da moderna administração.
Acostumados a esse cenário em que fazem tudo e mais um pouco, a grande maioria dos profissionais da TI brasileira começa sua carreira sem apoio, entendimento do que realmente é TI e sem base para especializar-se achando que tudo isso é normal. Vejo que a mudança começa exatamente por esse ponto. A pesar de natural, por conta de fatores culturais, políticos e sociais, não deveria ser normal a falta de apoio no início da carreira de um profissional que vai ajudar a sustentar a economia produtiva do país pelos próximos 35 anos da sua vida. Se observarmos a maioria das grandes empresas, geralmente o iniciante passa por um rigoroso processo de seleção, depois estágio, treinamento e mentoria qualificada para que dependendo seu rendimento, produtividade, cumprimento de metas e claro – aptidão para o cargo – possa assumir outras posições e contribuir para um processo de produção sustentável.
Provavelmente você pensou que PMEs não tem o dinheiro de uma grande empresa para fazer um processo cuidadoso como esse. Sim! Você está certo(a) e esse é outro grande problema a ser resolvido – como capacitar sem ter o tempo/dinheiro de uma grande empresa? O pensamento das PMEs gira em torno de pessoas que entram jogando e comumente se ouvem frases esdrúxulas como: – “Joguem todos os patos na lagoa e que fiquem os que nadarem!”, ou então: “Não quero saber se o pato é macho, eu quero é ovo!”. Coitados dos patos não é? Creio que a comparação aos patos seja igualmente justa para o outro lado – empresas que tem bom potencial para andar, nadar e voar, ficam presas a uma pequena lagoa fazendo muito barulho em busca de comida para sobreviver. Forçar, pressionar e até mesmo humilhar pessoas que não estão aptas ao exercício de determinadas funções, além de extrema falta de cuidado com o próximo, provavelmente é a principal causa dos altos índices de estresse e a alta rotatividade nessas PMEs. A culpa então é de quem? Empresas que não têm boa estrutura para desenvolver seus colaboradores, do colaborador que não se capacitou suficientemente ou do governo que não desenvolve e estimula suas PMEs adequadamente e não ofertou boa educação básica, técnica e profissional à sua população?
Particularmente não gosto da palavra culpa, prefiro dizer sobre responsabilidade que traz consigo a inferência de compreensão + ação, mas sobre a responsabilidade (não exclusiva) dos problemas da TI insustentável, podemos dizer que ela é repartida respectivamente entre governo que não investe bem os impostos arrecadados para desenvolver e estimular adequadamente suas PMEs e estudantes, das PMEs que não se interessam por estudar e investir nas boas práticas da moderna administração e dos estudantes/profissionais que têm enorme conteúdo digital gratuito acessível e não buscam qualificar-se adequadamente.
Importa ressaltar que inúmeras ações do governo, de empresas privadas e de algumas Ongs nacionais e internacionais já enxergam e trabalham sobre esses problemas há alguns anos, mas precisam do nosso apoio (profissionais da TI e da administração) para que os bons trabalhos sejam divulgados e que dessa discussão surjam novas ideias para promover essa transformação de mentalidade + ação para só ai poder alcançar a desejada sustentabilidade das ações corporativas e de TI preconizadas por CMMI, PMBOK, ISOs, BSC, ITIL, COBIT e tantas outras boas práticas de mercado. Não é possível construir uma casa só com madeira, cimento, areia, tijolos e boa vontade, é preciso saber onde, quando e como usar cada um deles.
Participe, dê sua opinião e colabore para a melhoria da TI brasileira. Estamos aqui para dividir e multiplicar. Sua participação é muito importante.
Grande abraço e até o próximo artigo.
Referências
[Crédito da Imagem: TI Sustentável – ShutterStock]