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O Plano secreto de um estagiário?

publicado por Davambe

Naquela empresa na baixada o maior número de funcionários tinha hábito de andar com uma garrafinha de água. Deixavam-na visível sobre a mesa. Entre um trabalho e outro havia sempre alguém a tomar um golinho de água. Era fácil, demais até, mas isso incomodava José Kixi, recém-contratado, homem cheio de vitalidade e manias. Quando seu chefe sentiu a necessidade de trazê-lo, apertou o interfone e pediu à secretária que providenciasse um auxiliar. Dispensou detalhes, a única condição é que tinha que ser uma personalidade interessada e criativa, de modo que em menos de um mês foi recrutado.

Quando ele ficou sabendo do emprego, seu primeiro, ficou muito feliz. Aproveitou a festa de seu aniversário, que veio a calhar, para falar. Falar? Ele não tinha muita habilidade para tal, entretanto, naquele dia de improviso, como se o dia tivesse sido improvisado: chuva e sol. Viu-se no mesmo dia, aproveitando que a luz estava apagada, e arrematou: “Gente, consegui emprego, finalmente. Gente… Meu primeiro emprego, prometo a vocês que serei gerente naquela empresa, em sete anos, me aguardem…” O silêncio foi total, alguns abandonaram o local, sua mãe, experiente tentou amenizar, entoando “parabéns”.

“Parabéns para você, muitas felicidades e anos de vida…” Mas a sala foi ficando vazia, depois do pronunciamento, não houve quem segurasse os convidados, que eram seus amigos, mesmo com o bolo à vista.

Como em Goiás a festa tem mania de durar pouco, aquela terminou tristemente, deixou muita saudade antes mesmo de o dia seguinte ser anunciado. Dormiu ansioso, não via a hora que os passarinhos anunciassem o frescor do amanhecer, a celebração que só a natureza sabe fazer.

As atividades tiveram início com pouca cerimônia. Foi apresentado a todos, menos ao seu chefe, queria muito apertar a mão do chefe, mas este pouco se interessava pelas pessoas e ele passou a ser mais um, entretanto achando que o chefe o ignorava, ficou muito triste, desolado e desgostoso.

“O meu Chefe…” Começava a resmungar, porém seu colega, sem deixá-lo concluir, levantava o dedo indicador, apontava em direção ao seu major e dizia: “Calma, gajo. Ele está ali, é o Aurelixto de Magdala”.

Aurelixto de Magdala era um homem rígido, já desgastado com a idade. Dizia-se que ele já havia presenciado com vigor e gosto noventa natais. Ajudado por seus vários hábitos, sendo que um era andar com uma garrafinha com líquido branco. Volta e meia, bicava-a prazerosamente, sem pressa, como se tivesse o dia inteiro para tomar aquele gole. Mas era mesmo o dia inteiro que ele repetia esse gesto de levar a garrafinha à boca, ninguém tinha certeza do que ele tomava, “é água“, concluía o colega sem delongas, “Tem certeza?”, bem, certeza ninguém tinha, senão ele, o chefe.

Desgraçadamente alguém recolhia as garrafinhas, inclusive do chefe. Durante uma semana houve sumiço, alguém teve a ideia de amarrá-la na mesa. Mas pouco adiantava no dia seguinte a garrafa não estava mais lá. A reclamação foi geral. A ausência da garrafinha gerou descontentamento, mal estar e tumulto, muitos eram os queixosos. O que não era importante passou a ser destaque. “Cadê a garrafinha?” Aurelixto de Magdala, nervoso convocou uma reunião.

Foi então que se descobriu que o José Kixi, chegava cedo ao escritório para sumir com as garrafinhas deixadas sobre a mesa.

“Com que autoridade, puto? Quem mandou você fazer isso?”

José Kixi, a tremer como um cachorrinho, desejava que um buraco fosse aberto debaixo de seus pés. Milagrosamente ganhou fôlego para se explicar, cheio de graça e desconfiado dizia que as coitadas garrafinhas poderiam ser contaminadas, “as moscas são perigosas”. Ficavam expostas aos insetos, era um atentado a saúde pública, se alguém ficasse doente seria um prejuízo, a empresa perderia um funcionário, e com isso operaria em vermelho, a imagem da empresa ficaria desgraçada.

“Trabalho nesta empresa há mais de trinta anos, nunca aconteceu isso. Agora que você chegou… Me diga, meu Kixi, vai ter contaminação?” Perguntou o chefe mor.

Então, muito zelosamente, José Kixi teve chance de falar de frente e olhar naqueles olhos castanhos, e se apresentar ao chefe que o ignorara, “tenho muito, mas muita intenção de ficar nesta empresa por mais de 30 anos também, por isso tento colaborar, afastando qualquer coisa que poça fornecer risco para o meu plano”.

A sala ficou deserta, silenciosa. Ninguém sem água se arriscava a falar até que se ouviram vozes como um relâmpago, que quase em uníssono pediam linchamento do novo membro. Esse relampejar precipitou aguaceira dos olhos do José Kixi, chuva ácida, por sorte estava sentado ao lado de Ana Paulínia que lhe oferecera lenço.

Percebendo os ânimos dos colegas, o chefe determinou o encerramento da reunião, promovendo o assunto para outra alçada para julgamento do caso das garrafinhas ausentes.

Autor

Consultor de TI, com mais de 25 anos de experiência, Escritor. Autor de "O Segredo da Felismina", "Tanto Lá Quanto Cá" e "A Sereia de Tupa". Email: geraldo.nhalungo@davambe.com.br www.davambe.com.br

Davambe

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