Um aspecto importante que aprendi desde o início de minha vida profissional foi de identificar as oportunidades advindas das adversidades. A minha primeira experiência foi quando o gerente de engenharia do projeto de usinas nucleares imaginou inicialmente que utilizar um software de CAD (Computer Aided Design) avançado na época traria um grande benefício para o projeto, repleto de atividades repetitivas. Ledo engano. Além do grande investimento em aquisição e treinamento, os custo operacionais também eram elevados e para piorar o ganho no tempo de execução era pífio ou mesmo pior em alguns casos. Mas o desafio nos estimulava, pois sabíamos que tínhamos um potencial disruptivo próximo de nós. Insistimos, entendendo que mais que um software precisávamos de uma plataforma compreensiva que cobrisse várias etapas do processo, minimizando intervenção humana, particularmente nos cálculos e nas integrações entre atividades. Seguimos em frente concebendo colaborativamente o modelo. Desenvolvemos um protótipo e validamos a abordagem. O desenvolvimento foi um sucesso técnico e o modelo de negócios baseado em homem horas equivalentes trouxe resultados financeiros adequados. Contudo, a implementação e o uso estavam aquém das expectativas. Mas persistimos e numa oportunidade de mudanças de regras do cliente implementamos o detalhamento de soldas. Boom!! Um ano e meio depois explodimos, saindo dos cerca de 30% de adoção para mais de 80%, pois a base estava criada e o ganho de produtividade percebido pelos projetistas era muito grande. Nosso resultado foi fruto de persistência frente aos desafios e o olhar sistêmico para as dimensões Gente, Processo, Modelo de negócios e Tecnologia, visando não apenas a implementação de um software, mas a concepção de uma plataforma que possibilitou alavancar um novo patamar de produtividade.
Isto foi em 1987. Hoje, como consultor observo que a grande maioria das empresas compram licenças de software como solução do problema, quando muito um treinamento básico. A percepção natural é que a liderança estará fazendo mais com menos investimentos. Ledo engano. Primeiro, normalmente não tem métricas ou pelos menos métricas adequadas para medir os resultados. Segundo, e decorrente da ausência de métricas, enquanto os investimentos no projeto são facilmente visíveis para a companhia e aparecem no balanço contábil, os custos e desperdícios derivados do mau uso ou adoção limitada da solução ficam embutidos na ineficiência produtiva e no padrão de qualidade final, sem falar nos custos de oportunidades de inovações não identificadas e desenvolvidas. E o principal, não se preparam para a concorrência e nem se diferenciam no mercado, dependendo de ações criativas eventuais de seu time.
Mas vamos voltar à oportunidade que temos de mudar este modelo presente nas organizações brasileiras em geral. Nos artigos anteriores mencionei que no Brasil se discuti muito questões relativas à promoção e captura de novas ideias. Carece ainda aprofundar uma discussão da capacidade das empresas em tratar a questão de forma mais ampla e estratégica, particularmente no que tange à capacidade de transformação e de execução derivada das ideias mais disruptivas. Apresentei uma proposta conceitual de processo de gerenciamento do ciclo de vida de lançamento de novos produtos e serviços, incorporando eventos de controle denominados Portões (ou Stage Gates em inglês).
Neste artigo será explorado os componentes fundamentais de uma implementação completa da plataforma de gestão integrada do ciclo de vida de desenvolvimento de novos produtos e serviços.
Existem muitos modelos diferentes de PLM, como resultado das diversas interpretações e elementos fundamentais do projeto, que tendem a ser específico para cada provedor e segmento vertical de atuação. Desta forma, para efeito ilustrativo, apresenta-se os componentes de PLM como o seguinte, que é uma composição de vários modelos publicados por Gartner, consultorias especializadas e fabricantes de software e cobrem as principais capacidades necessárias:
Desenvolvimento virtual do produto e design colaborativo (Virtual Product Development and Collaborative Design)
- Desenvolvimento de novas tecnologias, concepção mecânica, eletrônica de design, engenharia de software, publicação técnica, análise de elementos finitos, engenharia concorrente, ciclos de testes, gestão de mudanças, etc.
- Probe e programa de testes
Gerenciamento de informações do produto (Product Data Management – PDM)
- Lista de materiais (Bill of Materials BOM), controle de mudanças de engenharia (Engineering Change Order – ECO), gerenciamento de configuração, estruturação de produtos, classificação contábil, gerenciamento da segurança, Gerenciamento da qualidade, etc.
Gerenciamento de manufatura e de suprimentos (Manufacturing and Supply Management)
- Disposição e disposição dos componentes, planejamento da manufatura, planejamento do empacotamento e embalagens, planejamento do processo de produção, planejamento da logística, otimização da planta, etc.
Gerenciamento de Portfólio, Programas e projetos (Portfolio, Program and Project Management – PPM)
- Gerenciamento dos requisitos, gerenciamento do portfólio, gerenciamento do projeto, aderência aos órgãos regulatórios e ambientais, gestão do processo/ indicadores estratégicos e gerenciais, etc.
- Gerenciamento de investimentos, fonte de financiamento, despesas e previsão de receitas, etc.
- Análise de riscos, oportunidades e ameaças, concorrência e aderência ao planejamento estratégico da empresa, etc.
- Gerenciamento dos portões de decisão e das reuniões executivas, etc.
- Gerenciamento e racionalização do Pipeline de lançamento de novos produtos e serviços.
- Gerenciamento avançado de recursos
Tecnologias fundamentais e padrões
- XML, visualização, colaboração, workflow, integração de aplicações empresariais, análise avançada de dados (analytics), etc.
Uma das características fundamentais do processos de desenvolvimento de novos produtos e serviços é o envolvimento de diversos departamentos da empresa. As organizações mais maduras estruturam modelos matriciais de projetos, onde um time núcleo multidepartamental coordena e executa as principais atividades, alocando sob demanda representantes das demais áreas, incluindo fornecedores e parceiros. Existe uma complexidade intrinseca deste contexto que precisa ser entendida, pois normalmente participam ou esperam resultados várias partes interessadas, o escopo é dinâmico pela natureza do projeto, os prazos são reduzidos pela necessidade de mercado, as incertezas estão presentes conforme o grau de inovação envolvido, etc.
Assim, reavalie seus processos, competências e prioridades do ciclo de vida de desenvolvimento de produtos e serviços bem como em gerenciamento de projetos, visando compreender o grau de prontidação e o nível de energia a ser dedicada para a transformação corporativa. Desenvolva um olhar sistêmico para as dimensões Gente, Processo, Modelo de negócios e Tecnologia, definindo um programa de implementação em ondas que irá trabalhar concomitantemente as fundações das capacidades apresentadas bem como os resultados de curto prazo (quick wins), necessários para sustentação do nível de energia dos projetos.
Segundo [GARTNER, 2014] as empresas devem considerar seguintes etapas para gerenciar produtos e carteiras de forma eficaz com PLM:
- Determinar as principais prioridades da sua empresa para melhorar a relação da estratégia com a execução do produto. A chave para melhorar o desempenho do ciclo de vida do produto é de se concentrar em uma ou duas metas de melhoria principal de cada vez;
- Obter o engajamento dos interessados. Uma vez que os objetivos de melhoria primários são identificados, obtenha buy-in de três conjuntos de partes interessadas: um ou mais patrocinadores executivos seniores, operações de negócios interessadas e da organização de TI;
- Envolver a cadeia de valor. Colaboração bem-sucedida com os fornecedores requer confiança, relacionamentos ganha-ganha, com a compreensão mútua das expectativas e compromissos. Parcerias em toda a cadeia de valor deve envolver uma comunicação clara, contínua e inequívoca dos requisitos do produto.
Ainda que o desenvolvimento de novos produtos e serviços não seja um tema novo, no Brasil ele se encontra ainda bastante incipiente, sendo que Product LifeCycle Management (PLM) é ainda um pouco distante das lideranças de TI, que devem assumir um papel relevante na transformação digital da empresa, não somente sob a ótica de novas tecnologias como mobilidade e nuvem, mas fortemente sobre a ótica de processos e modelos de negócios derivados do conceito de plataforma digital. Observamos no Brasil empresas grandes e médias que vem implementando esta abordagem, tais como Embraer, Natura, Romi, MWM, Embraco, Chevrolet, além das multinacionais como Apple, Cisco, GE, Motorola, etc. Setores como de telecomunicações e de saúde teriam muito a ganhar, dada a complexidade de seus processos de desenvolvimento.
Os líderes de TI se beneficiam através de tomada de decisão mais informada que tem um impacto positivo no desempenho de suas empresas. Mais significativamente, gestão de produtos e carteiras com PLM diminui o tempo e custo de entrega de produtos inovadores que melhoram o valor da marca e aumentar o market share no mercado.
Segue um resumo dos principais benefícios que motivam uma análise de seguir com o programa de transformação:
- Gerenciamento centralizado de dados e documentos que possibilita maior acurácia e integridade das informações;
- Gerenciamento e rastreabilidade mais efetivos das demandas regulatórias e implicações, minimizando o perfil de risco da organização;
- Alinhamento mais assertivo da estratégia com as capacidades núcleo, aprimorando a maturidade do portfolio de produtos que ajustam a estratégia e incrementam as capacidades existentes e o desenvolvimento de novas habilidades;
- Pipeline balanceado. Um planejamento de capacidade aperfeiçoado e throughput incrementado, incluindo cancelamento de projetos, potencializa a taxa de sucesso e o retorno sobre o investimento. Riscos e capacidades são analisadas sob a ótica de portfólio ao invés de caso a caso;
- Design avançado 3-D e desenvolvimento virtual. Produtos e serviços podem ser desenvolvidos virtualmente, economizando recursos e tempo, possibilitando engajamento de geografias distintas, além de prover informações acuradas e mais amplas para tomada de decisão;
- Obtenção do re-uso de design (propriedade intelectual), que aumenta a produtividade, ROI, redução do ciclo de vida, redução de portões de controle e aumento da segurança;
- Plataforma comum e aberta possibilita o desenvolvimento distribuído e o engajamento de diversos atores, incluindo parceiros internacionais;
- Melhoria da qualidade pelo aperfeiçoamento da gestão de requisitos, acurácia das informações, gestão de testes, rastreabilidade, reforço no uso de padrões de projeto e de fabricação;
- Redução do Time to Market para os novos produtos e serviços. A plataforma possibilita o desenvolvimento de atividades concorrentes simultaneamente, tais como coordenar a comercialização e o lançamento de produtos em diversas regiões de uma só vez, ao invés de ir geografia por geografia.
- Ainda que não suficiente, é requisito mínimo para inserção da empresa brasileira nas cadeias globais de valor.
Outros artigos podem ser consultados em Conexões sinápticas.
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Referências
Scheibenreif, Don; Managing Products and Portfolios With PLM Key Initiative Overview, Gartner, 2014
Krause, W. et alli – Projeto de Estruturas de Suportes de Tubulação Utilizando Técnicas de CAD. VIII Congresso Latino Americano e Ibérico sobre Métodos Computacionais para Engenharia, Rio de Janeiro, 1987.
[Crédito da Imagem: Inovação – ShutterStock]