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Fintechs e o futuro dos bancos

publicado por Cezar Taurion

Figura - Novas tecnologias demandam agilidade extra. Você sabe como se manter competitivo?O setor bancário tem paradoxos interessantes. É inovador na incorporação de novas tecnologias, mas conservador na adoção de novos modelos de negócio. Aliás, sempre foi resistente a disrupções. É um setor com um modelo de negócios bem resiliente, que praticamente se sustenta com poucas mudanças desde sua criação. Um exemplo que mesmo com a disseminação da Internet, a única alternativa que até agora realmente prosperou foi o PayPal. Até agora…Um relatório publicado por um dos maiores bancos do mundo, o Citi, “Digital Disruption: How FinTech is Forcing Banking to a Tipping Point” aponta mudanças radicais (e inevitáveis) acontecendo nos próximos anos. Outros bancos começam a despertar para o assunto e já vemos muitos executivos dos grandes bancos mundiais, como Antony Jenkins, ex-presidente executivo do Barclays, dizendo no final do ano passado que os bancos estão em seu “momento Uber“; e prevendo que “o número de agências e de empregados pode cair até 50% nos próximos anos”. Na verdade, isso já aconteceu entre os bancos holandeses e dos países nórdicos. A previsão do relatório do Citi é que o ritmo de redução de pessoal atual, de 2% por ano, acelere para 3%, levando a queda total para algo entre 40% e 50% até 2025. Não é uma questão só de enxugamento, mas de toda uma reformulação do sistema. Os bancos estão explorando cada vez mais novas tecnologias como o Blockchain, a base do Bitcoin, de pagamento ponta a ponta sem necessidade de intermediários. Esta mudança fez John Stumpf, presidente-executivo da Wells Fargo a dizer: “Nós provavelmente seremos a última geração a usar e termos cartão de débito e de crédito”. Em breve os cartões estarão dentro de um dispositivo móvel.

Um desafio global é a inclusão financeira da população de menor renda. Aqui no Brasil, embora a população bancarizada atinja 68%, ainda estamos distantes de um cenário onde a oferta de serviços financeiros seja adequada à realidade das pessoas de menor renda, das micro e pequenas empresas e dos millennials. No cenário brasileiro, a concentração bancária é muito alta, com os quatro maiores bancos concentrando 80% das operações de crédito da economia. Os bancos, portanto, tem pouca motivação para mudar. Portanto, não é surpresa que no relatório do Citi, o Brasil não apareça entre os países mais bem posicionados para esta disrupção.

Mas um fenômeno está começando a assustar todos os bancos. O surgimento das FinTechs ou startups de “Financial Technology”, empresas intensivas em uso inovador de tecnologias, criadas por empreendedores jovens para preencher exatamente o espaço que os bancos não atendem ou atendem precariamente. Essas startups tem custos operacionais bem menores que os bancos tradicionais e podem atender um público que não é atrativo para as estruturas pesadas dos grandes bancos. O atendimento a este mercado, sejam pessoas de baixa renda, sejam os “millennials” ou as micro e pequenas empresas, parece ser o caminho do sucesso das Fintechs. Recentemente o World Economic Forum produziu um relatório chamado “The Future of FinTech: a Paradigm Shift in Small Business Finance” que aponta nesta direção. Segundo o relatório, as micro e pequenas empresas são impulsionadoras da economia mundial, contabilizando cerca de 50% do PIB global e quase 2/3 da força de trabalho, mas não são atendidas adequadamente pelos grandes bancos. Para estes, seu alto custo operacional desestimula as operações de crédito com estas pequenas empresas, pelos valores baixos que são movimentados. As FinTech tem baixo custo operacional, que lhes permite operar em escalas bem menores que os grandes bancos, e por serem extremamente “lean” seus processos, facilitam a interação com estas pequenas empresas, que por serem pequenas, não podem ter equipes dedicadas a finanças em seus quadros. Provavelmente serão um dos principais mercados alvo das FinTechs. Os millennials são atraídos pela facilidade e conveniência que as FinTech oferecem e à medida que assumem papel mais preponderante na economia global, aumentam o seu valor no percentual de clientes.

O impacto das FinTechs não pode ser menosprezado. Um outro relatório, este da PwC, de março deste ano, “Blurred lines: How FinTech is shaping Financial Services” mostra algumas transformações que as Fintech estão gerando no setor, sacudindo o mercado de “fora para dentro”. Aliás, este fenômeno de alguém de fora sacudir um setor já está se tornando padrão: Skype e WhatsApp não surgiram de dentro das empresas de telecomunicações, Netflix não nasceu das empresas de TV paga, Airbnb não veio da indústria hoteleira, Uber não saiu de dentro da comunidade de taxistas e assim por diante.

O mercado de FinTech está crescendo bem rápido no mundo e já começa a despertar atenção por aqui. Creio que devemos ter pelo menos mais de cem startups deste tipo no Brasil e uma reportagem interessante sobre o assunto saiu na Época Negócios de janeiro deste ano, “O fenômeno Fintech: a nova leva de startups que invadiu o sistema financeiro”. Um texto do artigo é bastante significativo: “A prova definitiva do poder das fintechs veio no ano passado, quando o Lending Club, uma espécie de “Uber dos empréstimos”, que conecta via internet pessoas que buscam dinheiro a quem queira emprestar, fez a maior oferta pública inicial de ações do segmento de tecnologia. Captou US$ 800 milhões e alcançou valor de mercado de US$ 8,5 bilhões, ficando na 15ª posição entre 835 instituições financeiras americanas. Uma façanha, sem dúvida, mas que incomoda menos pelas cifras e mais pelo sinal que traz ao mercado. Se os investidores estão apostando alto nas fintechs é porque elas conseguiram antecipar o futuro, seduzindo a geração que tira o sono dos banqueiros: os millennials, jovens entre 18 e 34 anos de idade, que não parecem nem um pouco dispostos a enfrentar a burocracia e as regras do sistema financeiro tradicional”.

Diante deste cenário, uma pergunta é: os bancos acabarão? As Fintechs serão dominantes no mercado? Fazer previsões é arriscado, e não devemos subestimar a capacidade dos bancos em reagirem. Além disso, apesar dos investimentos globais em FinTech serem elevados (12,2 bilhões de US$ contra 5,6 bilhões de US$ em 2014) provavelmente apenas algumas sobreviverão e se tornarão grandes nomes do setor, mas a maioria não vai sobreviver ou será adquirida pelos bancos ou por outras FinTechs.

O que os bancos deverão fazer? Ignorar as FinTechs será suicídio. Curioso que um estudo da Economist Intelligence Unit, de 2015, com 100 executivos de bancos e FinTechs européias e americanas, chamado “The disruption of banking” mostrou que 54% dos bancos pesquisados estavam ignorando o desafio pela frente ou apenas debatendo o assunto como curiosidade, sem fazerem mudanças nas suas estratégias. Das FinTechs entrevistadas, 59% acreditam que os bancos não estão reagindo adequadamente ao novo cenário.

A evolução exponencial da tecnologia e a mudança no comportamento da sociedade vai fazer com que estes novos hábitos sejam incorporados rapidamente no nosso dia a dia. Sabemos que suas estruturas e processos são engessados, seus antigos sistemas legados acumulam milhões de linhas código e, portanto, não conseguem competir em agilidade com as FinTechs. Por outro lado, não podem ficar parados. A regulação, ainda incipiente e indefinida, não vai ser eternamente barreira para a entrada de novos e desafiadores competidores. Será questão de tempo vermos as regulações contemplando a formalização das FinTechs. Os bancos precisam adotar novas soluções que otimizem e agilizem suas operações e em TI devem adotar conceitos como “mobile first” e acelerar seus processos de entrega de sistemas. DevOps, cloud computing e uso intenso de analítica de dados, com sofisticados algoritmos preditivos devem passar a ser “business as usual” e não limitados a experimentações localizadas. O uso de APIs para permitir que terceiros desenvolvam soluções em cima de suas plataformas de sistemas é uma vertente que deve ser explorada. Devem incentivar a inovação e forma mais ampla e não a concentrá-la, como vi em alguns bancos, em um setor específico. “Mobile first” não é apenas oferecer apps, mas criar apps contextuais, que baseados em analítica, interagem com o cliente de forma diferenciada para cada um. Os grandes bancos brasileiros, hoje, ainda estão longe disso. Tem apps interessantes, mas não são contextuais e inteligentes. O conceito é ainda “one-size-fits-all” e não apps personalizados.

Outra tecnologia que merece estar no foco é a blockchain. Blockchain é uma tecnologia de sistemas distribuídos que combina princípios matemáticos, econômicos e criptográficos para criar e manter bancos de dados entre múltiplos participantes, sem necessidade de terceiros se envolverem para validar, certificar ou reconciliar as partes. Na prática mostra o percurso de uma moeda (Bitcoin, por exemplo) ou contrato, desde sua criação. Será o cerne na evolução de otimização de processos, como o ERP foi na década de 90. Blockchain permitirá que indústria inteiras otimizem seus processos de forma revolucionária. Por exemplo, imaginem contratos inteligentes, onde um seguro de carro está embutido no próprio carro e as mudanças no prêmio são feitas dinamicamente, baseadas no comportamento de direção motorista. O contrato do carro pode interagir com a oficina em caso de acidente e solicitar um reboque. É uma combinação da tecnologia blockchain, algoritmos avançados e IoT.

Já existem casos interessantes de uso de blockchain que devem ser monitorados de perto. Um exemplo é a Slock.it, empresa alemã que desenvolveu uma fechadura virtual que permite você alugar, vender ou compartilhar qualquer bem, sem intermediários. Aqui no Brasil temos um exemplo interessante, que é a Original My, cartório virtual, que usa blockchain para registar contratos.

Uma solução que inevitavelmente vai ocorrer serão os bancos adquirindo ou fazendo parceria com as FinTechs. Adquiri-las e afogá-las nos seus complexos processos e organização não será de muita valia. FinTechs não são apenas tecnologia, mas um “mind set” diferente do que os bancos pensam e operam. Uma FinTech é empresa de tecnologia que oferece serviços financeiros e não um banco que usa tecnologia. A estratégia central dos bancos deve ser de buscar ser uma FinTech no futuro. Ser uma empresa ágil e exponencial. Totalmente diferente da estrutura organizacional, processos e modelo mental atual.

Voltando a pergunta, os bancos acabarão? Não como empresas, mas como funcionam hoje, sim. Serão diferentes. O Banco Original é um passo nesta direção. Não tem agências físicas e usa apenas a Internet. As Fintechs podem não matar os bancos, mas vai transformá-los. É provável que os bancos que meu netinho irá conhecer daqui a 10 ou 15 anos não serão em nada igual aos que eu conheço.

Autor

Cezar Taurion é head de Digital Transformation da Kick Ventures e autor de nove livros sobre Transformação Digital, Inovação, Open Source, Cloud Computing e Big Data.

Cezar Taurion

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