O último dia 30 de julho caiu numa quinta-feira e, provavelmente, passou despercebido para quase todo mundo. No Brasil, as manchetes dos jornais falavam na elevação da taxa de juro e nos habituais desdobramentos da Operação Lava-Jato.
Para dois grupos de pessoas, no entanto, a data foi memorável: os 266.937 habitantes de Vanuatu, um arquipélago no Pacífico Sul, comemoraram 35 anos de independência da França e Inglaterra. Já uma comunidade bem menor, mas espalhada pelo mundo, celebrou o esperado lançamento da plataforma Ethereum e sua moeda, o Ether.
E daí? Você pode me perguntar. O que eu tenho a ver com algumas ilhotas no meio do oceano e mais uma criptomoeda? Já não bastam os Bitcoins, Litecoins e Ripples? Quem se interessa por mais uma?
Na realidade, muita gente. Empresas de tecnologia do calibre da IBM e bancos como UBS e Barclays estão testando e desenvolvendo produtos baseados na plataforma concebida por Vitalik Buterin, em 2013, quando tinha apenas 19 anos. O Ethereum promete ser uma revolução tecnológica sem precedentes, atingindo áreas até então desconectadas como a Web 3.0, sistemas de pagamento, contratos digitais, certificação digital, propriedade intelectual, investimento em ações e crowdfunding, entre outras.
O que está por trás desta revolução? Alguns dos mesmos elementos que proporcionaram a existência do Bitcoin: criptografia e comunicação pessoa-a-pessoa, descentralizada, porém, otimizados.
Uma transação Bitcoin, pode levar quase meia hora para ser confirmada com segurança, enquanto enviar Ethers de uma pessoa para outra demora apenas alguns minutos (dois, na minha última tentativa). Mineração de bitcoins também deixou de ser um jogo justo há muito tempo. O Ethereum promete ser equalitário, empoderando os pequenos mineradores e proibindo a utilização de “chips” dedicados. Dessa forma, cria-se uma rede ainda mais resiliente a fraudes, censura e manipulação por um ator governamental ou privado.
A grande inovação da plataforma, entretanto, é o conceito de “smart contracts”, ou contratos inteligentes. Estes “contratos” são pedaços de código público, registrados no “livro” que armazena todas as transações, denominado blockchain.
Imagine que eu quero fazer um “bolão” com dez amigos, baseado no resultado de uma partida de futebol. Cada um dos meus amigos vai apostar R$10 e o prêmio será dividido igualmente entre os que acertarem os possíveis resultados: vitória do time A, empate ou vitória do time B.
Como fazer isso hoje em dia? Precisamos escolher um de nós para ser a “banca”. Cada participante entrega o dinheiro e escolhe o resultado. A banca guarda os R$ 110 e anota os palpites de cada um. Após a partida, quando o resultado for conhecido, o bolão é rateado entre os amigos que optaram corretamente. Caso ninguém acerte, os R$ 10 devem ser devolvidos a cada pessoa.
Isso é um “smart contract”! A Ethereum me permite criar um programa muito simples, com menos de 20 linhas, que implementa esta lógica e, dessa forma, eu e meus amigos não precisamos confiar em uma “banca”.
No dia da aposta, cada um transfere R$10 de sua carteira digital, e escolhe sua opção, pode ser através de um aplicativo ou página Web. Após a partida, o próprio programa consulta o resultado e paga os vencedores ou retorna o dinheiro para os apostadores. Como o contrato é público, todos podem auditar e ver se ele está correto. Além disso, é impossível fraudar ou modificar o contrato, uma vez aprovado. Os computadores que participam da rede Ethereum rodam o código, de forma distribuída, e são recompensados em Ethers pelo trabalho, como se fosse uma “comissão”.
As implicações desta funcionalidade são tão grandes que o Ethereum está sendo comparado à Skynet, rede de computadores ficcional que domina o mundo no filme “O Exterminador do Futuro”. Exageros à parte, os smart contracts podem sim colocar em xeque as atuais Bolsas de Valores, possibilitar um verdadeiro crowdfunding, inclusive com distribuição de quotas de empresas, e criar novos mecanismos de remuneração para conteúdo na Web 3.0.
O arquipélago de Vanuatu é um dos candidatos a desaparecer da face da terra, por conta do aquecimento global. No dia em que isso acontecer, provavelmente, os habitantes das ilhas já terão sido transferidos para outros lugares e o Dia da Independência poderá até ser esquecido.
Muito antes disso acontecer, no entanto, é provável que o dia 30 de julho de 2015 entre para a história da humanidade e junte-se a outras datas memoráveis como 29 de outubro de 1969, 11 de abril de 1976 e 6 de agosto de 1991. Estes também foram dias comuns para quase todo mundo, menos para quem estava diretamente envolvido no envio do primeiro email, na venda do primeiro computador Apple ou no lançamento da World Wide Web.