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Motores da inovação e cadeia de valor global – uma transformação em andamento no Brasil – Parte 2

publicado por Werther Krause

Motores da inovação e cadeia de valor global - uma transformação em andamento no Brasil - Parte 2No artigo anterior mencionei que no Brasil se discuti muito questões relativas à promoção e captura de novas ideias. Passa por buscar caminhos que promovam a cultura da inovação. Interessante considerar como foi a minha educação como engenheiro mecânico. Haviam 2 tipos de universidades, uma de desenvolvimento mais acadêmico e outra com foco mais operacional. As primeiras detinham centros de pesquisa com cursos de mestrados e doutorados, que mesmo buscando consolidar conceitos e pensamentos analíticos, inovação e empreendedorismo passavam ao longe. No segundo tipo, a ênfase estava no domínio e aplicação de fórmulas prontas e são a grande maioria dos centros de ensino ainda hoje em dia. Eu estudei na graduação e no mestrado segundo o primeiro modelo. Menos mal para os dias de hoje… Na minha opinião as empresas estão perdendo tempo e recursos em treinamento e exercícios curtos de inovação e criatividade, sem atacar o ponto central que é o modelo mental que fomos educados por muitos anos. Invariavelmente após o treinamento holístico, as equipes voltam a pensar e atuar como sempre o fizerem.

Assim, carece ainda aprofundar uma discussão da capacidade das empresas em tratar a questão de forma mais ampla e estratégica, particularmente no que tange à capacidade de transformação e de execução derivada das ideias mais disruptivas. Algumas empresas de ponta no Brasil estão tratando a inovação como um programa de longo prazo, com um conjunto amplo de iniciativas, algumas para meramente construir um caminho que estabeleça a cultura e outras para efetivamente capturarem resultados mais imediatos. Não se transforma uma empresa sem mudar a mentalidade e competências das pessoas e mudar os processos. E isto não acontece fruto da compra de um software ou de treinamentos de 16h. Eu acredito que tenhamos que promover uma mudança do paradigma evoluindo para um pensamento abdutivo, tipicamente encontrado nas equipes de design de produtos, que questionam as hipóteses, buscam ampliar o espaço do problema original, observam o que acontece no campo e concebem uma ou mais soluções de alto impacto, pois incorporam a perspectiva humana (psicologia, antropologia, experiência do usuário).

Nos círculos de inovação, empowerment é agora um tema familiar. Equipes de projeto de trabalho altamente autônoma está atrás de muitas das ofertas mais inovadoras do mundo. [FISHER, 2014] com os seus colegas que estudam as empresas de sucesso sugere que a produção máxima de inovação ocorre quando os contribuintes acreditam que eles têm liberdade absoluta para contribuir e buscar ideias inovadoras e, ao mesmo tempo, a alta administração acredita que ele permaneça em completo controle. Ainda que muitas capacidades necessitam ser desenvolvidas, a formação de uma equipe de alta performance está por trás da maioria dos grandes resultados.

A discussão no momento está mais fortemente relacionada à geração e captura de ideias. Mas sem a capacidade de execução de projetos de inovação, criando um fluxo sistêmico e contínuo dificilmente seremos eficazes e muito menos conseguiremos replicar sucessos pontuais. Acredito que uma forma de acelerar a transformação nas organizações passa por um programa compreensivo de iniciativas envolvendo pessoas, processos e tecnologia. Neste sentido, vou introduzir o conceito de Plataformas de inovação e sua implementação como parte fundamental de construção desta visão transformadora, modelo este que vem sendo adotado por diversas organizações internacionais e, em particular, por algumas empresas no Brasil. Empresas como Brasilata, Natura, Fleury entre outras vem ao longos dos anos ganhando consistência na estratégia e ações nesta temática. O Caso Natura apresentado por [BERNADES & ALI, 2013] ilustra bem o ciclo de desenvolvimento organizacional de competências.

“Existem muitos caminhos para plataformas de inovação, mas o que todos eles compartilham é a ênfase na independência jusante sem sacrificar as economias a montante. Eles prometem um grau de liberdade e empreendedorismo na entrega, mantendo muitas das vantagens de escala e escopo”
Bill Fisher, [FISHER, 2014]

O conceito de plataforma de gestão de inovação não se restringe a um software ou processo em particular. Gerenciamento do ciclo de vida do produto ou PLM (Product Lifecycle Management) é uma abordagem abrangente para a inovação, desenvolvimento e introdução de novos produtos e serviços (NPDI – New Product Development and Introduction). PLM é uma abordagem estratégica de negócios que aplica um conjunto consistente de soluções empresariais de apoio sistêmico à criação colaborativa, gestão, centralização, divulgação e uso de informações de definição do produto e serviços por todas as áreas da empresa, e que contempla desde a concepção do produto até o fim do ciclo de vida comercial, integrando pessoas, processos, sistemas de negócios e informações. Diversas soluções disponíveis no mercado brasileiro suportam esta abordagem estruturada e possuem alto grau de parametrização e customização, sendo soluções denominadas high end, entry level, ou como serviços, focando em algum nicho específico ou de amplo espectro. Exemplos ilustrativos são Oracle Agile, SAP PLM, Siemens TeamCenter, PTC Windchill, Arena Solutions PLM, e a brasileira JExperts, etc.

Neste conceito de plataforma de gestão da inovação faz-se necessário introduzir ou ao menos reforçar habilidades essenciais conhecidas como Gerenciamento de Projetos, Programas e de Portfólio, aprofundando temas como Gestão de Riscos, Gestão de recursos (capacidade) e Gestão de mudanças, que são tópicos críticos em projetos de inovação. Além disto, outras habilidades precisam ser aprimoradas, envolvendo processos de desenvolvimento de produtos e serviços, a gestão da complexidade derivada, por exemplo, da multiplicidade das partes interessadas; necessidade de tornar a empresa mais ágil pois o ciclo de inovação vem reduzindo.

O processo do gerenciamento do ciclo de vida fim a fim é ilustrado na figura 1, onde didaticamente dividiu-se em Front End Innovation (Formulação do problema e desenvolvimento de ideias) sendo tipicamente uma fase divergente onde quanto mais hipóteses e ideias melhor. Posteriormente, temos o Back End Innovation, onde se converge para uma solução e trata-se de seu desenvolvimento, testes definitivos, implementação e lançamento.

Figura 1: Processo fim a fim do ciclo de vida de desenvolvimento de novos produtos e serviços (fonte: autor)

Figura 1: Processo fim a fim do ciclo de vida de desenvolvimento de novos produtos e serviços (fonte: autor)

Do ponto de vista didático, vou dividir a nossa exposição na Perspectiva Estratégica e Tática, de forma a compartilharmos com uma profundidade adequada o conhecimento e sobre sua operacionalização nas empresas dentro dos limites deste artigo.

Na perspectiva estratégica vale destacar o papel fundamental na tomada de decisão referente à gestão do pipeline de projetos de inovacão, particularmente quando em plena reunião do Comitê, estudos de cenários alternativos puderem ser realizados para definição de quais projetos aprovar, quais antecipar, quais postergar ou mesmo cancelar, e respectivos impactos. Estas reuniões se referem a governança e o papel dos Portões de decisões (Stage gates), que 8 em cada 10 empresas do Fortune 1000 seguem de uma forma ou outra esta prática. A priorização do Pipeline acontece segundo os seguintes critérios:
• Alinhamento com a estratégia segundo métricas (Receita esperada, Margem, Índice de inovação, etc.)
• Tipo de produto e serviço (nova oferta/ produto, melhorias, nova tecnologia/ P&D, correções)
• Análise competitiva
• Sustentabilidade
• Impacto da marca
• Avaliação da capacidade de produção e de logística
• Avaliação dos recursos organizacionais de seguir com o projeto em termos de disponibilidade e competência, frente aos diversos compromissos

Assim, que uma condução assertiva e consistente do portfólio de programas e projetos, diversas técnicas podem ser adotadas, tais como Scoring. Contudo, o ponto fundamental é estar provido de um conjunto consistente e coerente de informações, análises e recomendações. A agilidade da empresa estará diretamente conectada à disponidade de dados acurados e na capacidade de simulação de cenários em tempo real. Baseando-me nas empresas com que tenho trabalhado e em estudo desenvolvido em parceria com a JEXPERTS, empresas que inclusive são líderes em seus segmentos, nenhuma possue este grau de liberdade, sendo que tipicamente trabalham com um conjunto parcial de informações e que consumem muito tempo e recursos para atingirem um patamar mínimo de confiabilidade. Este fato é devido a ausência de uma plataforma de gestão de inovação que cubra todas as etapas. Curiosamente, diversas empresas adotaram práticas fragmentadas baseadas em planilhas, repositórios de documentos e formulários, além do seus sistemas de gestão corporativa (ERP) e analítico (Business Intelligence), com pouca ou nenhuma integração. Até o conceito e suporte de gerenciamento de projetos é algo relativamente recente nestas empresas.

Sofisticados recursos de tratamento de indicadores (Business Intelligence) já estão disponíveis na maioria das plataformas ou se integram com soluções existentes no mercado e potencialmente na empresa. Porém, precisam ser estruturados para o propósito da gestão da inovacão. Alguns indicadores com periodicidade mensal, bimestral, semestral e/ou anual típicos são: Investimentos em inovação, % da receita líquida em inovação, No. de produtos lançados, índice de inovação, % da receita obtida de novos produtos, No. de patentes, No. de artigos científicos, entre outros. Esta fora do escopo deste artigo explorar a riqueza da discussão de indicadores, altamente estratégicos na gestão executiva.

Na perspectiva tática alguns macro-fluxos podem caminhar em paralelo, ainda que conectados. No caso da Natura, segundo [BERNADES & ALI, 2013], há dois macroprocessos definidos: Funil de tecnologia (relativo à área de pesquisa) e Funil de inovação (relativo à área de desenvolvimento de produto). Por objetivo de negócios, uma nova tecnologia pode e deve suportar o lançamento de mais de um produto, sendo este também um potencial indicador estratégio relevante, pois indica o grau de reuso de uma determinada tecnologia. Em diversos casos é importante constituir um roadmap de desenvolvimento tecnológico, pois estabelecem as novas ondas de aprimoramento e buscam garantir a liderança perante a concorrência. Algumas práticas podem e devem ser consideradas para melhor lidar com a complexidade e reduzir o ciclo de desenvolvimento. MVP (Minumum Viable Product) – advindo da abordagem LEAN START UP, que tem o papel de obter o máximo de aprendizado sobre o cliente com o mínimo de esforço. Modular Design, que quebra sistemas complexos em partes que podem ser desenvolvidas e testadas independentemente. Ao focar em cada parte os riscos do componente são menores do que do sistema integrado, facilitam a gestão de fornecedores e de proteção à propriedade intelectual, prática bastante adotada pela APPLE, por exemplo. AGILE, ilustrada em [KENT, 2014], onde SPRINT-AND-SCRUM nascido na indústria de software vem crescendo sua adoção em outras indústrias que visam otimizar o processo tradicional. Em [CONFORTO & ALI, 2014] o estudo comprova este movimento, particularmente em projetos de inovação, onde abordagens híbridas vem sendo adotadas crescentemente, reforçando que Agilidade mais do que um método é uma competência.

Na minha história profissional, tínhamos que evoluir as práticas de gerenciamento de empreendimentos e de desenvolvimento de produtos. Mas como tratar as diversas naturezas de projetos? Consultoria estratégica, Integração de sistemas, Empreendimentos de infraestrutura e projetos de inovação? Em áreas de negócio distintas da empresa? Como contemplar as especificidades e cultura de cada um? Gradativamente fomos integrando as equipes e implementamos um framework baseado em Portões de controle, uma Biblioteca de processos e capturando as lições apreendidas. Ao longo do tempo fomos quebrando as resistências. Em paralelo, cada centro de competência (SW, Instrumentação, Mecânica, Estruturas, Tubulação, Elétrica, etc) foi concebendo sua biblioteca de processos e ferramental de execução com pontos de integração com o gerenciamento. Por exemplo, empreendimentos no setor de óleo & gás utilizavam processos e ferramentas de modelagem 3D integradas ao controle de materiais, suprimentos e ao planejamento das atividades, o que ficou conhecido como CAD 4D. A constituição de uma biblioteca de processos, uma governança sólida, equipes preparadas adequadamente e suportadas

Nos projetos de inovação observa-se dois conjuntos de competências, procedimentos e ferramentas que nascem absolutamente relacionados: Gerenciamento do produto e Gerenciamento do projeto. Gerenciamento do produto envolve o conjunto de requisitos funcionais e não funcionais, o desenho e espeficações técnicas (CAD), seus componentes e materiais (Bill of Materials – BOM), o gerenciamento de configurações, montagem e empacotamento, probe e testes, conformidade regulatória, submissão de patentes, etc. Gerenciamento de projetos se baseia nas áreas de conhecimento do PMI (escopo, tempo, custos, qualidade, recursos humanos, riscos, comunicação, aquisição, integração, partes interessadas).

No próximo artigo irei apresentar os principais componentes das platformas de gestão da inovação que suportam os processos apresentados, bem como as integrações com os sistemas existentes, possibilitando fluxos com alto grau de automação e integridade.

Outros artigos podem ser consultados em Conexões sinápticas.

Referências

BERNARDES, ROBERTO; MATUCCI, MARCOS e BAGBUDARIAN, ELIDIA P., Open capabilities: criação e gestão de competências para inovação aberta na Natura, ESTUDOS ESPM, 2013

CONFORTO, EDVANDRO; REBENTISH, ERIC; AMARAL, ERIC, The Building Blocks of Agility as a Team’s Competence, Executive Report | Project Management Agility Global Survey , Massachusetts Institute of Technology | Consortium for Engineering Program Excellence (CEPE), May 2014

FISHER , BILL, Unlock Employee Innovation That Fits with Your Strategy, HBR October 2014

KENT, AL, Warfare, Software, and Industrial Design, Strategy& PWC, Issue 76 Autumn 2014

[Crédito da Imagem: Inovação – ShutterStock]

Autor

Engenheiro mecânico formado na UFRJ, MSc. em Ciência da Computação pela PUC-RJ, MBA pela University of Michigan, Design Strategic Innovation (DSI) por MIT Sloan & IMD. Executivo da Promon em Desenvolvimento de Negócios e Consultoria em TIC, nos diversos setores da economia, tendo liderado centro de competência em Engenharia de software e atuado no centro de competência em gerenciamento de empreendimentos. Liderou Estratégia e Governança de TI na Telefônica Latino América. Possui experiência em planejamento estratégico, portfólio de projetos, gerenciamento de projetos complexos, arquitetura corporativa, gestão financeira, plano de negócios, gestão da inovação, desenvolvimento de produtos e serviços, e modelagem de startups. Mentor do Endeavor Innovation Program e Finalista do Desafio Telefonica.

Werther Krause

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