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Uma análise dura e fria sobre o software livre no Brasil

publicado por Leandro França de Mello

Figura - Voltamos ao tema do software livre no Brasil, após seu último nocaute dado pelo governo federal, decidir comprar milhões de reais em licenças da Microsoft.Voltamos ao tema do software livre no Brasil, após seu último nocaute dado pelo governo federal, decidir comprar milhões de reais em licenças da Microsoft.

Não tomemos a questão somente do ponto de vista ideológico, que tem sido a tônica de todos os artigos e críticas feitas aqui e acolá, sobre esse evento, que para muitos foi um ato famigerado perpetrado pelo governo federal. A questão e a análise não deve passar por partidarismo ou ideologias. Trata-se de encarar os fatos e a conjuntura e fazer autocríticas.

Sou um profissional de TI que pensa e respira software livre. Uso Linux desde 1996, ainda que tenha passado pelos bancos de estudo da Microsoft e não demonizo a empresa imperial do tio Gates. Apesar de não usar Windows para praticamente nada na minha vida e incentivar fortemente amigos, família, trabalho e clientes a adotarem sempre que possível o software livre em suas vidas e negócios. Sou obrigado a admitir que o canto da sereia e a comodidade de se adotar soluções da Microsoft ou de outra empresa proprietária é muito forte e há apelo mercadológico, no qual dificilmente uma empresa ou mesmo um governo possa resistir. Mas por que disso? Qual o ponto de atração e exclusão de um software ou outro.

Não perderemos nosso tempo discutindo as estratégias de marketing que a Microsoft adota e nem porque as pessoas o preferem instalados em seus desktops, essa entidade em extinção. Esses motivos são claros e óbvios para todos nós. O que nos interessa aqui é entender o porque o software livre é preterido em detrimento de soluções proprietárias e mais caras(?).

É difícil admitir, mas não temos um mercado de software desenvolvido. Nem proprietário e nem baseado em software livre. Nosso mercado de software ainda é muito insipiente e opera sob muitas barreiras. Nosso principal problema é o ambiente de negócios no Brasil que é péssimo. Nossos custos são impraticáveis. Empresas nascentes sofrem para se manter e são taxadas como as grandes sem nenhum critério. Não temos um vale do silício e nem uma política de estado para lidar com esse mercado. Por vários motivos, mas tendo o governo como principal inimigo do nosso mercado de software.

Por ter características inerentes a uma atividade de serviço, o desenvolvimento de software é pouco afetado por políticas de incentivos fiscais voltadas à indústria eletroeletrônica, tais como a redução de impostos federais indiretos, pois incidem sobre a atividade tributos estaduais e municipais importantes. Além disso, o sistema de preferências na compra de bens de informática hoje adotado pelo governo não beneficia os programas de computador nacionais, pois admite práticas de venda casada de equipamentos e programas, de compensações entre licenciamento, manutenção e suporte do software contratado e de seleção de aplicativos baseada em critérios de participação de mercado.

Não é curioso o governo dizer que software é uma de suas prioridades e ao mesmo tempo não querer mais gastar dinheiro com licenças de software? Como irá o governo convencer os outros a comprar software brasileiro, de modo a atingir uma meta de exportação de 2 bilhões em software até o final da década, se ele mesmo não pretende mais gastar dinheiro com isto? Não pensem que sou contra o software livre!  Considero que o software livre, como um modelo alternativo de negócios (ganha-se dinheiro com manutenção, treinamento e outros serviços), pode ser um caminho para melhor posicionar o software brasileiro no cenário internacional. Mas o software livre não deve ser visto como a cura para todos os males, nem tampouco o software proprietário deve ser encarado como um mal a ser eliminado. Pois o software proprietário tem algo a seu favor: o poder da inovação. Visto que esse segmento precisa inovar, para poder faturar e sem inovação não se vende e sem venda não há dinheiro. É um ciclo que não pode ser ignorado.

O mercado(?)de software livre no Brasil não existe, meus caros. É triste admitir. Por que não temos uma Canonical ou uma RedHat em nosso terreiro? Falta de talento? De visão? – Não sei. O mais próximo que chegamos de uma empresa assim, foi na época da Conectiva, antes dela se fundir com a Mandrake francesa e dar origem ao já extinto Mandriva.

O problema do software livre no Brasil é que ele é visto como a solução de tudo para o TI, não porque não o seja, mas porque sua política de desenvolvimento e divulgação é mal feita sob vários aspectos: é vendido de forma agressiva, é matizado por questões ideológicas, é muito focado na academia, inova muito pouco, não sabe transforma ideologia em dinheiro, faz escolhas mercadológicas equivocadas(alguém lembra do famigerado Linux Satux que vinha instalado nos desktops do programa PC Conectado) ou do Insigne Linux da empresa do mesmo nome? Por que não deram certo? Por que foi feito nas coxas. Não era uma ação de mercado, era uma ação governamental. Qual o critério? Qual a preocupação com o mercado e com o consumidor? Nenhuma.

Na verdade, o governo tinha no projeto do PC Conectado um dos seus principais programas para a área de informática, estabelecendo como meta a venda de um milhão de micros para as camadas menos privilegiadas da população. Nestes micros vinha embarcado uma suíte de aplicativos em software livre, que era outra bandeira defendida veementemente pelo governo. Ou seja, trata-se de um projeto onde o grosso do investimento vai para o hardware (o software não custaria nada e não custou), sem o governo mexer no “próprio” bolso, já que ele próprio não iria comprar nada e não comprou, mas apenas facilitaria a aquisição destes equipamentos pela população de baixa renda. Vejam que no Brasil o setor governamental é responsável por cerca de 40% de todas as compras de software (licenças de uso e serviços). Se o governo não abrir o bolso, não existe, portanto mercado de software livre. A participação de soluções open source no mercado brasileiro em 2010 foi de 2,95%. Dos US$ 563 milhões movimentados pelo software livre, 66% correspondem a gastos do governo.

O modelo de softwarelivre não produz inovação, demanda mais mão-de-obra, remunera menos toda a cadeia produtiva, não é autossustentável e seria praticamente inexistente sem o governo como seu protagonista. Visto que 70% dos softwares contratados no Brasil são importados. Há uma conta que não fecha aí.

E as empresas que embarcaram o SO nesses desktops, fizeram de graça? Óbvio que não. A Insigne, ganhava R$40 em média por SO embarcado. Vendeu mais de 400 mil cópias. Faturou R$16 milhões. Nada mal para quem somente meteu uma skin sobre o Ubuntu e não se criou ou inovou em praticamente nada. Hoje a empresa já não existe mais e ninguém aqui nunca ouviu falar de Insigne Linux.

O Brasil tem sido um celeiro de oportunidades perdidas. Em diversos setores, desenvolvemos tecnologia e capacidade gerencial para, passados os esforços iniciais, deixarmos fechar a janela de oportunidade que se abria. Outros países embarcaram nos trens que trafegaram vazios em nossa plataforma. Foi assim com a tecnologia de comunicações, com a física de partículas, com o programa espacial brasileiro. É o que está e vai acontecer com o mercado(?)de software livre no Brasil. Há muitos doutores no processo e nenhum CEO. Precisamos de visão de mercado, de ações efetivas, menos burocracia, mais inovação e competição. Todo nosso ecossistema de negócio em software livre depende do governo. No momento que este vira a casaca, abala-se o mundo dos linuxistas brazucas. Alguns mais politizados(?)dirão: é o efeito Temer. Sinto em dizer-lhes que não é. Nunca houve real interesse em fomentar essa indústria. O que foi feito antes passou mais pelo voluntarismo que pela política de estado em criar e fomentar um setor em franca expansão no mundo.

O linux deveria ser vendido não como cartão de visita, mas sim como um item dentro de uma estratégia de compliance. A Microsoft vende mais instâncias linux (Ubuntu e RedHat) no plataforma Azure Cloud que Windows Server. É algo paradoxal. A Canonical e RedHat agradecem. Isso só é possível por que o mercado é o foco dessas empresas. Não partidarismos, ideologias ou diletantismo. Só o pragmatismo dos negócios. O que falta ao Brasil em doses cavalares.

Menos paixão e mais razão são fundamentais para o fortalecimento e crescimento da indústria de software do Brasil. Que fique claro o fato de que não queremos criar uma nova reserva de mercado para o software brasileiro, até porque o Brasil não pode prescindir de um intercâmbio constante com outras nações e empresas. Tampouco defendemos apenas o software proprietário como modelo viável de negócio para o nosso setor.

Autor

Leandro é analista de sistemas,professor e empreendedor na internet desde a década de 90. Desde então,vem desenvolvendo projetos no setor público e privado. Seu foco de estudo são as tecnologias baseadas em Open Source, inovações do Linux, Google e tudo que tiver relação disruptiva com TI e os negócios. Leandro França de Mello é entusiastas das tecnologias de código aberto, pesquisador e CEO da EXP Codes, uma boutique de soluções em TI.

Leandro França de Mello

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