Os maiores símbolos são o Financeiro e o Jurídico, áreas onde para mitigar riscos financeiros e legais, os quais podem até mesmo comprometer a existência da organização, os controles e auditorias tendem a ser rígidos e minuciosos, para garantir a correta execução dos processos. Mas isto não se limita apenas a estas áreas, muito pelo contrário, sobretudo em organizações de maior porte, todas as áreas tendem a ter seus processos controlados e auditados, em maior ou menor grau, dependendo do volume financeiro e dos riscos envolvidos, é claro.
Mas uma reflexão muito importante a qual todo e qualquer gestor ou profissional que almeje a gestão deve se fazer é “Qual a principal origem de vantagem ou desvantagem competitiva nos dias de hoje?”.
E a resposta é bastante simples. Com o conhecimento e a tecnologia ao alcance de todos, diferentes opções de financiamento, redução de custos e até mesmo em alguns casos opções de subsídio, além do poder das redes sociais que possibilitam publicidade massiva, instantânea e em muitos casos gratuita, o principal diferencial são as pessoas!
Não a toa que atualmente por todo o mundo diversas organizações estão mudando sua estratégia, remodelando a participação e importância dos Recursos Humanos, os quais já são chamados por muitas organizações de “Capital Humano”.
Esta diferença é mais evidente em mercados altamente competitivos e que lidam com tecnologia, inovação e criatividade. Mercados os quais demandam não uma massiva, simples e substituível “mão-de-obra”, mas sim, “capital humano” altamente capacitado, motivado e comprometido, em muitos casos também chamado de “capital intelectual”.
Todavia, grande parte das organizações, das pequenas empresas até gigantes multinacionais, ainda pecam de maneira grave em seus processos de recrutamento e seleção.
Nos dias de hoje, contratar um colaborador que não atenda às necessidades corporativas para a vaga, ou que mesmo atendendo as exigências básicas não seja a melhor opção disponível e possível no mercado (considerando é claro diferentes variáveis, tais como remuneração média de mercado para o cargo, remuneração oferecida para a contratação, benefícios, cultura organizacional, momento do mercado etc), é tão grave quanto um financeiro contratar um financiamento junto a um banco o qual não oferece as melhores condições disponíveis e possíveis para a organização naquele momento, já que em ambas as situações a organização vai perder dinheiro, ou, no mínimo, ter sua rentabilidade reduzida.
Mesmo assim, quem de nós não recebe constantemente notícias de alguém que conseguiu um novo emprego graças ao Q.I., o famoso “Quem Indica”?
Em minha opinião, com base nos mais diferentes fatos dos quais já tive conhecimento e de minha experiência de mercado, este processo é muito mais grave nas grandes corporações, justamente aquelas onde teoricamente os processos são mais controlados.
Isto porque nas empresas menores, geralmente mais flexíveis e até mesmo menos controladas, o processo de indicações é mais transparente. Uma vez que estas empresas possuem menor estrutura para recrutamento e seleção, menor visibilidade no mercado e menor capacidade de atração de talentos, é natural que os processos sejam menos formais. Quanto mais formal e controlado é um processo, maior será seu custo, já que mais recursos humanos e tecnológicos terão que ser utilizados em sua execução e controle. Portanto, para pequenas e médias empresas, estes processos menos formais e mais simples de recrutamento tendem a tornar o processo mais transparente, bem como agilizar e reduzir os custos envolvidos no mesmo.
Já empresas de grande porte, necessitam de maiores níveis de controle em todos seus processos, inclusive no recrutamento e seleção. Isto porque são empresas que por si só tendem a atrair não apenas um número muito mais elevado de candidatos, como um número muitas vezes elevado de verdadeiros talentos do mercado, tendo em vista a oportunidade de trabalhar em uma renomada organização. Além disto, estas organizações contam com estruturas mais sólidas para realizar este recrutamento, além de oferecerem muitas vezes diversos benefícios que superam a média do mercado. Benefícios estes oferecidos justamente para atrair e reter os melhores talentos. Adicionalmente, por serem organizações muitas vezes com milhares de colaboradores, existe sempre o risco de que alguns gestores menos capazes ou mais inseguros tentem criar verdadeiros feudos de segurança em suas equipes, populando-as com amigos, colegas e outras pessoas as quais por alguma razão não lhe sejam vistas como ameaças pessoais, mesmo que possuam um desempenho inferior (o qual acaba sendo compensado pela estrutura e renome da organização, fazendo com que o impacto de forma geral não seja percebido). Contudo, é óbvio que se fosse uma equipe de alto desempenho, traria muito mais benefícios e vantagens para a organização, impulsionando-a rumo ao crescimento, acelerando sua expansão ou fortalecendo seus resultados nos momentos de crise e entregando aquilo que é o fundamental nas organizações, resultados! (sejam resultados financeiros em empresas privadas, sociais em ONGs etc).
E este problema de fraudes em processos de recrutamento e seleção, que mesmo em algumas empresas privadas chega a dar sinais de ser endêmico, corrói justamente os resultados, de maneira silenciosa e invisível.
Mas quem é o responsável por este problema o qual ataca diferentes organizações dos mais variados segmentos, mesmo aquelas que teoricamente são exemplos de gestão?
Direta ou indiretamente, todos!
A área solicitante (ou contratante) muitas vezes é quem deseja driblar o processo conduzido pelo RH, ao mesmo tempo que em alguns casos chega ao cúmulo de criticar o RH alegando falta de opções, morosidade ou rigidez do processo.
O RH, o qual muitas vezes não se posiciona como o responsável pelo processo de recrutamento e seleção. Em muitos casos, ele é um executor que se sente responsável, mas não um verdadeiro responsável. Isto porque não basta você fazer o papel burocrático, indicar algumas opções e deixar que o solicitante escolha, você deve cobrar justificativas das escolhas (sobretudo quando não se tratarem de escolhas tão óbvias) e cobrar os resultados! Ou seja, se a área solicitante contratou um colaborador o qual se demitiu ou teve que ser demitido após breve período, o qual apresentou problemas comportamentais ou mesmo desempenho abaixo do esperado, a área que realizou a escolha e contratação deve ser responsabilizada por isto, do contrário, não haverá real comprometimento da área contratante.
E da diretoria, presidência e/ou conselho, os quais deveriam conceder maiores poderes e autonomia para que o RH pudesse realmente agir como responsável pelo processo de recrutamento e seleção, não apenas atuando como executor, mas cobrando e responsabilizando os envolvidos de acordo com os resultados.
Mais do que nunca, o RH possui papel fundamental no sucesso das organizações e deve se posicionar como tal!
Trata-se de uma área a qual em geral é pouco valorizada e muito criticada, cabendo ao próprio RH (e claro, sobretudo aos seus gestores), saber se posicionar, mostrar seu valor, conquistar seu respeito, para que seja vista não como uma simples área de sustentação, mas como uma área-chave para o sucesso dos negócios!
Certamente, muitos leitores apesar de concordarem com as ideais, ainda devem estar achando que isto não acontece em suas empresas ou devem estar com dificuldades para imaginar como algumas áreas conseguem facilmente fraudar o processo de recrutamento e seleção.
Pois bem, abaixo, para ilustar o problema descrito neste artigo, buscarei descrever resumidamente um processo do qual participei a algum tempo, o qual busquei manter em sigilo por determinado período para preservar as fontes que me auxiliaram a entender a situação por completo. Contudo, nomes, datas e outras informações não irei revelar por razões éticas e respeito à organização.
Certa vez, enquanto buscava mudar de empresa, procurando novos desafios e possibilidades de crescimento profissional, meu perfil chamou a atenção da pessoa responsável pela gestão de toda a área de “Talent Acquisition” de uma grande multinacional.
Pessoa esta a qual eu não conhecia e que encaminhou meu perfil para seus funcionários, justamente por crer que eu poderia ser útil à empresa.
Em cerca de 2 ou 3 dias uma primeira pessoa da área de R&S (Recrutamento e Seleção) me ligou, já querendo me entrevistar para uma oportunidade a qual tinha em aberto. A entrevista foi realizada com sucesso e na mesma semana já me retornaram, solicitando uma segunda entrevista, também com o R&S.
Ao final da segunda entrevista com R&S, a pessoa responsável pela entrevista me informou que meu perfil havia sido aprovado, e que não iria me indicar para a vaga em questão, mas sim para outra vaga, superior, tendo em vista minha experiência e conhecimentos. Eu seria indicado para a pessoa da área contratante, responsável pela vaga, e deveria receber um retorno dentro de uma semana.
Quando recebi o esperado retorno, estranhei que seria entrevistado por uma pessoa a qual, caso eu fosse selecionado, seria meu “par”, e não o gestor da área, como havia entendido inicialmente, mas, achando ser um procedimento padrão da empresa, aceitei normalmente.
Nesta entrevista com o “possível futuro par”, o qual tinha atribuições diferentes da vaga, mas se reportava para o mesmo gestor, estranhei sua forma de conduzir a entrevista. Pela primeira vez na carreira não sabia se havia me saído bem ou não na entrevista, já que nenhuma pergunta era prática, pelo contrário, eram perguntas soltas e muitas vezes sem nenhum sentido, além do fato do entrevistador quase sempre interromper minhas respostas e não deixar a entrevista fluir naturalmente. Sai sem saber se o entrevistador era inexperiente em entrevistas ou mesmo se havia alguma outra razão por trás de seu comportamento (pergunta esta a qual não me faria naturalmente, mas a situação fora tão atípica que me gerou suspeitas de que talvez eu estivesse atrapalhando a candidatura de alguém que tivesse “Q.I.”).
Neste meio tempo, enquanto aguardava o retorno sobre esta terceira entrevista, me foi agendada uma quarta entrevista, desta vez com o gestor da área. Na data e hora marcados, recebi um SMS do entrevistador dizendo que não poderia realizar a entrevista por motivos pessoais e a remarcaria. Até aí, tudo bem, imprevistos acontecem.
Após uma semana sem nenhum feedback e depois de algumas tentativas de contato sem nenhum tipo de retorno deste gestor, entrei em contato com o RH. No mesmo dia, o RH acionou este gestor e reagendou a entrevista, me pedindo desculpas pelo ocorrido.
Na data marcada e se mostrando bastante apressado e impaciente, o gestor da área realizou uma breve entrevista de menos de 20 minutos, ao final da qual alegou que gostou muito de meu perfil, iria checar internamente pois haviam outras entrevistas agendadas, mas que inclusive gostaria de me considerar para outras oportunidades futuras. Ao final, me questionou sobre algumas referências, algumas pessoas de sua área. Como eu conhecia muitas pessoas em sua área (as quais não havia acionado justamente para seguir o processo corretamente), citei diversos membros de sua equipe e outros colegas dele os quais poderiam dar referências sobre meu trabalho.
Depois de tudo isto, nunca recebi uma resposta oficial da empresa ou de qualquer dos envolvidos sobre o processo. O que para muitos pode parecer normal, mas demonstra falta de respeito com os candidatos envolvidos no processo.
Mas o mais grave, meses depois descobri que foi contratada uma pessoa justamente em razão do “Q.I.”. O contratado era amigo pessoal do contratante, com o qual já havia trabalhado no passado em outra empresa.
É claro, a primeira coisa que pensei foi “Ok. Eu também contraria alguém que já conheço, pois já saberia se a pessoa atende meus requisitos, já conheceria o perfil.”.
Acontece que isto não foi transparente. O processo foi fraudado.
Como o mercado é pequeno, acabamos conhecendo pessoas em comum. E chegou ao meu conhecimento através de mais de uma pessoa que “fulano deu um jeito de contratar ciclano”.
Mais do que isto, o contratado, em conversa com um conhecido em comum que sabia da minha versão da história, comentou contando vantagem que ao saber da vaga ligou para o gestor responsável e pediu que o contratasse. Este gestor disse para que ele se inscrevesse no site, e assim o escolheria para entrevistas. O candidato se inscreveu, foi indicado pelo gestor para entrevistas com o R&S, foi aprovado com certa influência do gestor nesta etapa inicial e foi para a entrevista com a pessoa a qual depois se tornou seu colega de trabalho (seu “par”). Nesta entrevista, a qual foi realizada apenas para simular uma entrevista e fraudar o processo, o entrevistado e o entrevistador, ambos, mantiveram contato por Skype com o gestor por mensagens de textos, gestor este o qual direcionava algumas perguntas e respostas. No teste de conversação em inglês, o candidato se quer entendeu as questões.
Depois disto, foi simulada uma entrevista entre o gestor e o candidato, e o mesmo foi contratado.
Pior, este candidato ainda saiu por ai contando vantagem e abrindo estes detalhes, comprometendo o próprio nome e credibilidade da companhia.
Uma história que parece ficção, mas da qual recebi informações de mais de uma fonte, com detalhes que confirmavam o ocorrido.
Não me cabe julgar o candidato citado, seu perfil, seu currículo, e nem mesmo perdi tempo analisando isto. Assim como não é apropriado citar nomes, expor pessoas, muito menos a empresa.
Felizmente, segui minha vida adiante e tomei outros rumos.
Mas este fato, somado a outros que já presenciei não apenas como candidato, mas sobretudo como gestor, em diferentes empresas, mostram que realmente muitos candidatos têm razão quando dizem que “somente os indicados entram em grandes empresas”. Claro que não podemos tomar isto como verdade absoluta. Mas quantos processos mensalmente não são fraudados ou ao menos influenciados por interesses pessoais em grandes empresas?
Fazendo de bobos os candidatos, os envolvidos pelo R&S/RH e principalmente os acionistas das empresas, os quais não obterão seu resultado máximo possível em razão de pequenos feudos internos e invisíveis que comprometem o resultado das empresas.
Por isto, como cabe ao Jurídico ser o responsável pelos processos legais e tudo que envolve riscos legais, ao Financeiro ser o responsável por todos os processos de contas a pagar e a receber e tudo que envolve finanças, bens e riscos financeiros, cabe ao RH ser o responsável por tudo que envolve recrutamento e seleção e capital humano.
É claro que o RH não tem como realizar a avaliação final dos candidatos, cabendo à área contratante realizar esta avaliação. Mas cabe ao RH controlar o processo, para que o mesmo seja realizado dentro das regras e do código de ética da empresa, e responsabilizar os responsáveis por erros ou desvios de conduta.
Ao assumir este tipo de conduta responsável e fiscalizadora, o RH mostra sua importância no sucesso da organização, ganhando força e respeito, sem prejudicar a organização, mas sim, ajudando-a a maximizar seus ganhos.
[Crédito da Imagem: Processos de Recrutamento – ShutterStock]
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