Eram 23 horas, de uma quarta-feira. Paulo estava dormindo.
O telefone toca. Era Roberval.
– Paulo! Paulo! Já tá dormindo?
Paulo estava meio atordoado com a situação. Ser acordado por alguém do outro lado da linha, que fala como se estivesse ligado em 220 volts, não é lá muito agradável.
– Hmmm… Não… estava só deitado.
– Que ótimo!!! Seguinte, recebi uma luz de sabedoria. E, a partir de hoje, decidi que vou ser empreendedor. Quer ser meu sócio??!
Paulo deu um pulo da cama. Ele não conhecia muito o Roberval. Tinham amigos em comum, e Paulo o via mais como um conhecido. Sequer sabia o sobrenome de Roberval.
– E aí?!! Topas?!!
– Roberval… que ideia é essa? Por que eu?
– Ora, cara!!! Decidi que cansei dessa vida de empregado. Amanhã estou pedindo demissão do escritório de advocacia e vou começar a tocar minha empresa.
– Legal, Roberval. Boa sorte, na empreitada. O que você vai fazer?
– Ainda não sei bem. Estive conversando com um amigo e ele me disse que o mercado web tá promissor! E parece que há também uma demanda muito grande por projetos envolvendo GPS e celular.
Paulo estava meio atônito.
– Interessante… mas o que tu conheces destas áreas?
– Muito pouco… confesso. Mas, cara!! É aí que tu entras!!
– Hein?
– Tu trabalha com internet há algum tempo, que eu sei. Caaaara! Vamos unir forças!! O mercado tá bombando e a gente precisa demais pegar uma fatia!!
– Roberval, eu não sei ao certo o que tu estás querendo. Já parou para pensar quantas empresas atuam nesse setor de web? E quantos freelancers existem por aí?
– Hmmm… não. Na verdade nem sei muito disso. Eu li uma reportagem no jornal e…
– Cara!! Como tu queres entrar no mercado sem conhecer nada? Só por causa de uma reportagem??
– Ah! Deixa de ser pessimista!
Paulo já começa a ficar impaciente.
– Não é ser pessimista. É colocar um pouco os pés no chão.
– Bom, enfim. Eu tô te convidando, Paulo! A proposta é a seguinte: tu entras para coordenar essa parte de internet e tecnologia, um vizinho meu que tá se formando em design vai cuidar da parte gráfica, um parceirão amigo meu vai ajudar a administrar a empresa e eu vou correr atrás dos projetos e vou tocar a parte jurídica.
– Como é? Tu tá querendo entrar num mercado que tu não conhece muito bem e tá convidando mais TRÊS pessoas? Quer uma empresa com QUATRO sócios?
– Qual é, cara! Isso se chama unir as forças. Pensa bem, cada um focando no que conhece! E mais do que isso, o investimento pra abrir a empresa é dividido por quatro, sacou? Barbada!!
– Olha Roberval… ter um sócio só já é bem complicado. São duas pessoas que tem educação e experiências diferentes. Pessoas que terão visões diferentes para o futuro. Imagina QUATRO pessoas que NÃO SE CONHECEM trabalhando junto em um projeto cujo mercado a maioria deles não entende direito!
– Poxa, Paulo! Eu tô mega empolgado com a ideia! Isso pra mim basta.
– Mas quatro sócios? As despesas são divididas por quatro. Verdade…
– Viu só??
– … mas Roberval, e qual deve ser o faturamento da empresa para que os quatro sócios tenham um salário ou mesmo um lucro razoável? Porque isso vai ser dividido por QUATRO também. O que tu vai fazer?
– Ah, cara! Isso é DEPOIS!
– Hein?? Depois? E já parou pra pensar em todo poder de barganha que está com os clientes e fornecedores???
– Poder de … barganha? Não quero entrar no mercado público turco!
– Cara, o mercado de TI é promissor, sim. Mas pensa quantas pessoas competem nele. Além disso, os clientes vão barganhar o preço dos serviços pra colocar lá embaixo, pois vai ter gente que vai aceitar isso. Freelancers que trabalham em casa por prazer, e que qualquer 50 reais já é lucro. Fora isso, eu sozinho jamais teria condições de “operacionalizar” qualquer projeto que fosse vantajoso pra gente. Daí contratar gente pagando um salário razoável de mercado.
– Ah cara, barbada. A gente corre atrás de algum empréstimo no banco ou algo do tipo. Contratamos só gente boa, daí!
– Como é?? Tu quer se endividar no banco??
– Lógico, cara! Tudo dividido por quatro, sacou? Óbvio que pensei nisso só por causa disso.
– Roberval… só por curiosidade. Tu já leu algum livro de estratégia, gestão ou empreendedorismo? Fez algum curso sobre isso?
– Não. Odeio ler. Mas atualmente tô lendo “Pai rico, pai pobre”. E fora isso, conversa com quem tu quiser, Paulo: tu vai ver que todos vão dizer que só se fica rico sendo dono de empresa.
– Empreender não é se aventurar assim, cara. Ainda mais no Brasil.
– Ah, cara. Estamos em outros tempos…. ah, não vou ficar perdendo meu tempo. Paulo! Valeu pela atenção… achei que tu ia se motivar mais com a ideia. Vou procurar uma outra pessoa. Acho que realmente tu não tem o perfil de empreendedor. Tchau!
Se despediram e desligaram.
Paulo não acreditava no que havia ouvido. Teve um calafrio ao tentar se imaginar aceitando a oferta.
Roberval recém havia desligado o telefone, e lembrou de um amigo da praia, que trabalhava com programação. E que gostava de internet. Resolveu ligar para ele.
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