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O blockchain no setor financeiro

publicado por Cezar Taurion

Figura - O blockchain no setor financeiroVivemos um período único, com mudanças acontecendo em uma velocidade, amplitude e impacto nunca antes vivenciada na história. A velocidade dos avanços atuais não tem precedentes e está interferindo quase todas as indústrias de todos os países. Este fenômeno, denominado de quarta revolução industrial foi a estrela do debate no último Fórum Mundial de Davos, em janeiro passado. O chairman do Fórum, Klaus Schwab, afirmou “Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”. Não há dúvidas de que a disrupção de negócios considerados robustos e o impacto econômico resultante serão dolorosos, bastante confusos e perturbadores no curto prazo.

Essa disrupção vai afetar todos os setores e nesse meio, indiscutivelmente, estarão os bancos. O mercado bancário brasileiro, foi criador de várias inovações, como o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e do cartão com chip. Mas, com o ritmo das inovações tecnológicas surgindo em velocidades e amplitudes cada vez maiores, estão começando a dar sinais que não as conseguem acompanhar. Um exemplo é blockchain. Os bancos estão diante de um grande desafio, pois blockchain não é apenas uma tecnologia que complementa as operações dos bancos, como a mobilidade, mas, tem potencial de afetar o seu tradicional modelo de negócios estabelecido e consolidado por décadas. Pelo que estudo e observo aqui e lá fora, eles ainda estão na posição de “abrir um pouquinho a porta”, mas sem maiores engajamentos com blockchain. É compreensível, por várias razões, desde indefinições regulatórias, insegurança quanto a viabilidade da tecnologia (ainda em estágio relativamente primitiva) e, claro, dificuldade de fazer auto-disrupções. Uma frase de Clayton Christensen, autor de The “Innovator´s Dilemma” é emblemática:” The worst place to develop a new business model is from within your existing business model”.

A questão é que já começamos a ver sinais de startups de blockchain tentando “chutar o pau da barraca”. Muito do que vemos de inovação de blockchain em serviços financeiros, e isso em uma visão global, tem vindo de startups. Embora os bancos já tenham começado a olhar de perto as startups, e mesmo criando aceleradoras, vemos que muitos bancos embora estejam em um estágio avançado no planejamento de sua estratégia de digital banking, ainda tem muito que fazer quando se trata realmente da sua implementação. Às vezes me parece que olham as startups como olham animais em zoológicos, com muita curiosidade, mas que não sabem se querem ou se podem domesticá-los e leva-los para dentro de casa. Na realidade, grandes corporações, como os bancos, tem muita dificuldade de fazer disrupções, principalmente quando elas vem de fora e em ritmo que ultrapassam a sua capacidade de absorvê-las.

A reação inicial dos bancos, no mundo todo, foi de começar a estudar o potencial de blockchain, gerar uma lista de eventuais casos de uso e começar experimentações tímidas. Entretanto, o ritmo vem se acelerando, e curiosamente, o impulso não tem vindo das startups do Silicon Valley, mas de Wall Street, sustentáculo do sistema financeiro. Esse artigo publicado pela Fortune, “What Wall Street’s Obsession With Blockchain Means for the Future of Banking” mostra claramente esse cenário. Blockchain tem potencial de reduzir significativamente os custos do sistema financeiro, e pela teoria econômica clássica, um competidor de baixo custo ganha enquanto os concorrentes forem de custo mais elevado. Portanto, é instigante a questão que o artigo coloca no seu parágrafo final, “e o que acontecerá, no futuro, quando todos os bancos estiverem usando blockchain?”. Bem a resposta, pelo artigo é perturbadora para os executivos dos bancos: “When everyone is using blockchain, the resultant saving will stop flowing in as corporate profit. Market competition will force all banks to pass on the hard-won saving back to consumers. Banking fees are set to plunge”!

Portanto, os bancos no mundo todo começaram a acelerar suas iniciativas de blockchain, pois quanto mais cedo obtiverem experiência, melhorarem seus custos e criarem novos e inovadores produtos, mais se distanciarão da competição. E a competição aos bancos e as empresas do sistema financeiro, tem vindo de fora do setor, com as startups FinTechs. Elas obtiveram, até fins de 2015, mais de 19 bilhões de dólares em investimentos. Curioso que as FinTechs não começaram por atacar diretamente os bancos, mas seus pontos de entrada foram territórios adjacentes, pouco explorados e até mesmo negligenciados. Mas, pouco a pouco começaram a avançar em território dominado pelas empresas tradicionais do setor financeiro. Algumas já começando a incomodar o sistema tradicional, como aqui no Brasil, com o exemplo do Nubank, que se popularizou rapidamente por criar um novo relacionamento com os clientes de cartão de crédito através de plataforma inteiramente digital, dispensando presença física e papéis. Rapidamente se tornou uma referência para os concorrentes.

Blockchain também tem potencial de provocar disrupções e em sua última previsão de futuro, o Gartner afirmou que em 2022, haverá uma empresa de serviços Blockchain que deverá faturar US$ 10 bilhões. Uma das plataformas de blockchain, Ethereum, já tem um valor de mercado de 1 bilhão de dólares e isso em menos de um ano de vida. Provavelmente veremos também o mesmo processo acontecendo, com as startups de blockchain começando a beliscar pela periferia, sem ameaçar diretamente o “core business” dos bancos. Muitas desaparecerão, outras serão adquiridas e incorporadas aos bancos e outras, talvez sejam ameaças, principalmente as que vierem com disrupções através de soluções inovadoras, que os bancos terão grande dificuldade de replicarem rapidamente. Mesmo o desafio da regulação não será barreira para inovação. Uma frase de Simon Taylor, head do grupo de inovação em blockchain do Barclays, disse “I do not disagree the best use cases will be outside regulated financial services. Much like the best users of cloud and big data are not the incumbent blue chip organizations. Still their curiosity is valuable for funding and driving forward the entire space”.

Bancos que não se reinventarem não vão acabar, mas correrão o risco de serem apenas o backend das operações financeiras, sem relevância em termos de marca para os clientes. Sem serem o centro de atenção da “carteira” do cliente, perdem importância e dificilmente conseguirão gerar ações de cross-selling ou up-selling.

Sim, insisto, blockchain não vai extinguir com os bancos, mas os forçará a se reinventarem. As estruturas corporativas centralizadas terão que ser repensadas, principalmente em tempos de rápidas transformações. O ambiente de negócios será continuamente volátil, incerto, ambíguo e complexo. Não teremos mais ondas de mudanças, seguidas de períodos de estabilidade. A única certeza que temos é que a mudança será contínua. Vale a pena ler o artigo “How the Blockchain Could Change Corporate Structure”.

Portanto, blockchain não deve ser visto apenas como um meio de reduzirem seus custos operacionais, mas de possibilitar a reinvenção do próprio banco. Em 1994, Bill Gates, fundador da Microsoft, disse “Banking is essential, Banks are not“. Em 2015, voltou ao assunto e recomendo uma leitura no artigo “3 Reasons Why Banks Need to Read The Gates Letter 2015”.

Nos próximos anos veremos ações decisivas de uso de blockchain no setor financeiro, mas blockchain só será vantagem competitiva para os bancos atuais, se for visto dessa forma, não como mero band-aid de redução de custos operacionais. Bancos não querem mudar bancos. Startups querem mudar bancos. E blockchain podem provocar essa mudança. Essa é uma decisão estratégica para os bancos. Para ajudar nessa decisão, recomendo ver a apresentação “Blockchain 2015: Strategic Analysis in Financial Services” de William Mougayar, investidor e autor do livro “The Business Blockchain: Promise, Practice, and Application of the Next Internet Technology.

Autor

Cezar Taurion é head de Digital Transformation da Kick Ventures e autor de nove livros sobre Transformação Digital, Inovação, Open Source, Cloud Computing e Big Data.

Cezar Taurion

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