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Um ano do Marco Civil da Internet. Há o que comemorar?

publicado por Marco Castro

Figura - Um ano do Marco Civil da Internet. Há o que comemorar?Há um ano o Marco Civil da Internet – MCI (Lei n. 12.965/2014) entrava em vigor com pompa e circunstância. Louvado por especialistas, incensado por ativistas, como uma legislação moderna, baseada nos princípios da neutralidade, da privacidade e da liberdade de expressão, que serviria de referência global nas discussões sobre a regulação da rede.

Mas os mesmos especialistas que comemoraram a aprovação do MCI Internet mostraram certo receio com a sua eficácia. Vint Cerf, considerado um dos fundadores da internet, declarou em entrevista concedida à revista Veja em abril do ano passado:

“Será interessante descobrir o quanto o Marco Civil será relevante em situações rotineiras. Uma vez que a internet se desenvolve de forma muito   rápida e novas aplicações, especialmente as móveis, surgem a todo instante, questões inéditas vão aparecer todos os dias. Sabemos que novas formas de uso da internet vão impor desafios do ponto de vista jurídico. Então, essa é uma ótima oportunidade para o resto do mundo criar suas iniciativas, adotando o que der certo e deixando de lado o que der errado. Eu entendo que a legislação brasileira nasceu para proteger os interesses dos usuários, mas o grande teste será agora, após a aprovação. Quão efetiva será essa legislação? Como ela será implementada? Muitos especialistas, entre os quais me incluo, querem saber como e se o Marco Civil vai realmente funcionar como esperado.”

Passado um ano da sua entrada em vigor, é possível responder ao questionamento de Vint Cerf? O MCI está funcionando como esperado?

É preciso lembrar que o MCI ainda não foi regulamentado, o que significa dizer que não foi expedido um Decreto detalhando como se dará a sua aplicação efetiva sobre alguns pontos de fundamental relevância, tais como exceções à neutralidade de rede e os procedimentos de segurança que devem ser adotados pelas empresas com os dados dos usuários.

A demora se deve ao formato de elaboração da regulamentação, que seguiu os mesmos moldes adotados na criação do próprio MCI: um processo participativo em plataforma online, de modo a possibilitar um amplo debate público.

Segundo o Ministério da Justiça, que coordena a iniciativa, no período entre 28 de janeiro a 30 de abril de 2015 foram contabilizadas 44,8 mil visitas, 339 discussões abertas, que totalizaram 1,2 mil comentários, que atualmente estão em fase de sistematização.

Mas a ausência de regulamentação não tornou o MCI uma lei inerte. Tribunais de todo o país o têm usado (para o bem e para o mal) como fundamento em decisões judiciais que tratam de temas como proteção à privacidade, responsabilidade civil, remoção de conteúdo considerado ilícito, remoção de aplicativos, dentre outros.

A aplicação do MCI não tem se mostrado, contudo, consistente e uniforme. Todos tivemos conhecimento da decisão de um juiz do Piauí que determinou a suspensão do aplicativo WhatsApp em todo território nacional, que foi criticada por diversos especialistas do setor, sendo considerada descabida, desproporcional e inadequada (veja os detalhes aqui) e, posteriormente, derrubada em segunda instância (veja os detalhes aqui). E também de decisão de primeira instância no Espírito Santo que ordenou a retirada do aplicativo Secret das lojas oficiais online, que foi igualmente criticada e derrubada pela segunda instância.

Em certa medida essa inconsistência de entendimentos já era esperada, parte do processo natural de consolidação da jurisprudência, especialmente em se tratando de uma matéria tão específica, e com a qual os juízes, em sua grande maioria, não estão familiarizados.

O MCI tem suscitado outras discussões, que estavam ausentes da agenda brasileira. Como exemplo, podemos citar a iniciativa do Ministério Público da Bahia de instaurar Inquérito Civil para verificar se a promoção ofertada por uma operadora de telefonia celular, que promete acesso ilimitado a um aplicativo específico sem desconto da franquia do usuário, ofende ao princípio da neutralidade da rede.

Em resumo, o Marco Civil da Internet é uma lei que veio para ficar, que apresenta avanços importantes. Mas é preciso que todos estejam atentos, de um lado, à sua aplicação efetiva pelos Tribunais e, de outro, ao debate sobre a sua regulamentação, para evitar que os seus princípios não sejam desvirtuados.

Autor

Advogado especializado em Direito Digital, Propriedade Intelectual e Direito do Entretenimento. Doutor em Ciências pela UFRJ. Consultor Jurídico da Assespro-RJ

Marco Castro

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