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Sobre a tecnologia e os pequenos traços da natureza humana ressaltados por ela

publicado por Nicolás Jodal

Há algum tempo, um jornalista me perguntou se o uso de tanta tecnologia no mundo atual não estava nos desumanizando. Na verdade, acredito que não. Mais até, penso que as tecnologias que fazem sucesso a longo prazo são aquelas que apresentam potencialmente alguma característica que já temos em nossa natureza. Vejamos alguns exemplos.

A primeira é imitar o sucesso. Imitar quem faz as coisas melhor está em nossa natureza e isso geralmente funciona bem, é racional. O problema foi que, a partir daí, surgiu a ideia de seguir as melhores práticas das empresas bem sucedidas para criar uma fórmula do sucesso. Em livros como o “Em busca da Excelência”, foram tomados exemplos de oito ou dez empresas consideradas as melhores do mundo e resumidas ali as “melhores práticas” para o sucesso. Embora o livro tenha sido um best-seller, oito anos depois, essas empresas já não estavam nada bem.

Não vejo problemas em imitar os outros em coisas fáceis, mas no que é realmente complexo não funciona assim, o caminho do sucesso é individual. Apple, Microsoft ou Artech são bastante diferentes, por exemplo. Cada empresa busca o sucesso de forma individual porque é muito difícil alcançá-lo e cada uma tem suas peculiaridades que não são aplicáveis às demais. Além disso, existe “A versão dos Advogados”. Nesse conto de Luis Fernando Veríssimo, conta-se que os golfinhos têm uma lei que orienta o seu comportamento quando encontram um homem afogando-se no mar: devem jogar uma moeda para ver se o levam à costa, para sua salvação, ou se o levam ao alto-mar, para sua perdição. Apesar disso, as pessoas acreditam que os golfinhos sempre salvam as pessoas que se afogam no mar porque ninguém tem a versão dos que se afogam. O mesmo acontece com esses livros de melhores práticas.

Entretanto, se fizermos um aplicativo como o Instagram, que nos ajude a tirar fotos muito mais bonitas e com efeitos, como se fôssemos um fotógrafo profissional, mas usando apenas o celular, certamente será bem sucedido.

Uma segunda característica das pessoas é resolver problemas. O que é preciso evitar é focarmos nos problemas errados, como na anedota do advogado e do engenheiro. É assim: Um advogado e um engenheiro foram condenados à forca, dessas com uma corda e um alçapão que abre quando se empurra uma alavanca. Trazem o advogado, colocam a corda, movem a alavanca e não acontece nada; imediatamente, o advogado tira a corda e diz que ao falhar a sentença, pelo direito positivo romano, não podem voltar a julgá-lo pelo mesmo crime e o deixam ir. Mas quando vem o engenheiro, antes que a corda fosse colocada, ele fica olhando o mecanismo da forca e diz: “Esperem um momento, me deixem ver uma coisa”. Revisa o sistema, e lhes diz: “Aqui está o problema, uma roldana está mal posta. Agora mesmo vou consertar”.

Em toda profissão, há dois tipos de problemas para resolver: os reais (dos clientes) e os que impressionam (os nossos colegas ou o mundo). Como também está em nossa natureza tentar impressionar, geralmente buscamos resolver problemas que chamarão atenção para nossa inteligência e criatividade, e que aumentarão nosso prestígio. Mas esses problemas, muitas vezes, são diferentes dos problemas reais que os clientes têm. Não temos que resolver problemas para impressionar, o que temos que fazer é resolver os problemas que nossos clientes tiverem.

Outras características de nossa natureza é comunicar e compartilhar. Qualquer produto que aumente as formas como podemos nos comunicar ou como podemos compartilhar coisas será, portanto, bem sucedido. Além disso, quando a comunicação é eficaz, não dependemos tanto de planejar tudo detalhadamente, pois podemos nos coordenar para fazer as coisas bem e nos adaptar aos imprevistos. Por isso, as tecnologias que facilitam essas tarefas têm tanto sucesso e por isso o boom das redes sociais.

Também é natural acreditar nos modelos. Somos seres que estamos constantemente criando modelos, e acreditamos neles. Às vezes, porém, acreditamos demais, sem questioná-los. Aqui temos que aplicar o que o estatístico George Box diz: todos os modelos estão errados e alguns são úteis, de modo que quando um modelo já não é útil, é preciso abandoná-lo, como os modelos astronômicos. O modelo de Ptolomeu, que basicamente dizia “estou no centro do universo e o que vejo é o sol girar ao meu redor”, era perfeito para os agricultores que só queriam saber por onde sai o sol e por onde ele se ocultava. No entanto, quando quiseram explicar o movimento diferente dos planetas, esse modelo já não funcionou e apareceu Copérnico com outro que permitia entender isso de forma mais simples. Assim também deve ser no trabalho e na tecnologia, quando um modelo não permitir lidar com informação nova, provavelmente chegou o momento de substituí-lo.

Também é natural que façamos previsões. De fato, acredito que é por isso também que gostamos de fazer modelos. Não há nada de errado em fazer previsões, exceto quando ficamos presos nelas. Já sabem: o PC é o centro, a TV é o centro. Melhor seria tomar o exemplo da Zara, a famosa loja de roupas, e se esforçar para diminuir o custo dos erros em uma indústria em que as tendências mudam vertiginosamente. Como? Quando se deu conta do custo gerado por seguir apenas uma tendência e ficar com muitas peças velhas, a Zara minimizou-o fazendo lotes pequenos de muitos estilos e cores diferentes.

Assim, não penso que a tecnologia esteja nos desumanizando, pelo contrário: acho que potencializa nossas tendências naturais. Precisamente por isso é preciso ter cuidado para não cair em uma das mais humanas: a soberba. Neste mundo complexo e mutante, é preciso aprender a dizer “Não sei” e também “Me enganei”. Do contrário, se aplicará a nós a frase que Michael Lewis fecha a reportagem sobre Joe Cassano, executivo da AIG, responsável pela crise hipotecária dos Estados Unidos em 2008-2009: “O problema não era que ele sabia que estava enganado, o problema era que para ele era muito importante estar certo”. Muitos na indústria da tecnologia da informação caíram pelo mesmo motivo.

Embora não esteja em nossa natureza sermos humildes, para ir adiante, na tecnologia e na vida, é fundamental aprender a ser.

Autor

Nicolás Jodal é CEO e Cofundador de GeneXus International – empresa que desenvolve GeneXus – ferramenta de desenvolvimento de sistemas que permite criar aplicativos para as linguagens e plataformas mais populares do mercado, sem necessidade de programar.

Nicolás Jodal

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